Do baú da mãe de uma grande amiga, abril de 2000.
Os dias em isolamento deixaram de pesar, por isso não os conto mais. Algum mecanismo dentro de mim encaixou, junto com um pedaço novo do inconsciente tornado visível, que me trouxe a sensação de poder encarar as marés adiante, mesmo sem ter a menor ideia da rota ou da duração delas. A essência de existir nos últimos anos, para mim, têm sido: dançar conforme a música, de estilos variados, sempre inesperados, tocadas por um DJ que se entedia rápido e troca os hits sem alívio ou repetição, tipo aquela brincadeira de dança das cadeiras, com alguém sempre caindo de bunda no chão. Consegui me manter em movimento, mas sem entrar no transe maravilhoso da dança feita de corpo e alma entregues. A presença permanente, mais ou menos pronunciada dependendo do momento, de um peso a bordo me impediu: pânico de perder o ritmo, ficar sem repertório de passos ou improvisos, ser atropelada e não levantar mais.
Mas, entre uma série de atividades de teletrabalho, o aviso prévio, a finalização de uma consultoria grande, o preenchimento de projetos diversos de choro e escrita, o tricô, o estudo de variações do maxixe, a candidatura para possíveis vagas de novos empregos, a yoga e os benditos almoço e janta de todo dia, claro, veio um clique! Minha vida tem sido, dentro ou fora de isolamento, um misto de - pandeiro, catar lixo na ciclovia, leis de enfrentamento à lavagem de dinheiro e à corrupção, marketing jurídico, projeto musical de choro, escrita de ficção, violência contra mulher, consultorias em ensino superior, inovação, guias sobre jovens e política, fake news, documentos técnicos sobre saúde do trabalhador, acidentes por causas externas e uma enormidade de sites e redes sociais diferentes para cuidar. E até hoje não troquei os canais, nem dei pinta de estar perdida, mesmo estando demais, seja em relação aos assuntos ou à forma das pessoas se relacionarem, nem sempre transparentes, como eu prefiro. E o principal: não parei de me mover adiante, adiante, adiante, ancorada em longas noites de sono reparador, que começam em torno das 21h30 e me preparam para a mixagem preferida do DJ do dia.
Não consigo fazer sentido do contexto político? Bom, acontece comigo pelo menos desde 2014, com enorme intensidade, pela proximidade e participação ativa do meu falecido marido nesse campo minado e pela minha própria paixão pelo tema. Não sei qual será o futuro da minha profissão? Tenho que ser justa com esse item, o vírus ducha só aumentou o calor na fogueira alta, há anos. Não sei se terei um planeta para deixar para meus filhos? Infelizmente, essa angústia não chegou no isolamento, só tornou-se MUITO concreta. Não entendo os relacionamentos amorosos hoje, depois de tantos anos numa interação singular de amor? Bom, estou nessa desde 2015, quando voltei a ser solteira.
E, ao constatar tudo isso, no lugar de sentir um medo brotando, o que seria normal, diga-se de passagem, senti um sorriso sacana tipo o do Buda, com todo respeito, nascendo, com um recadinho assim: "Se joga, garota! Que baile animado assim não dá para jogar fora!" E isso fez um sentido gigante, em meio a mais uma encruzilhada da minha vida particular, junta e misturada com uma confusão no mundo. Como, aliás, tem feito parte do caminho da minha geração, que nasceu num mundo cheio de regras e certezas, foi socializada nelas, cresceu em conflito permanente entre desafiá-las ou segui-las até a morte, e, chegando aos 40, deu de cara com mundo em NADA parecido com o que nos prometeram se fôssemos boas meninas e meninos. Então, quer saber do que mais?
Olhei para trás e percebi a clareza com que o caminho se fez para mim, mesmo num mar de dúvidas e incertezas, e apreciei sem vergonha ou pudor minha conexão clara e direta com meus desejos e meu valor como ser humano. ENFIM! Embora eu sempre tenha fingido bem demais ser essa pessoa desde que nasci, como quase todos os que me conhecem atestariam. Mas agora, galera, é pra valer! Então, agradeci a oportunidade de me jogar nessas águas adiante do jeito que vierem, dinâmicas como nunca, cada vez menos preocupada com o que me ensinaram sobre o mar que eu quero experimentar entregue à minha experiência dele, e levando comigo o essencial apenas.
Demorei, mas enfim, consegui ler mais um capítulo. Adorei, Marina. Este texto é exatamente como a vejo. É como se tivesse um espelho à sua frente e vc fosse descrevendo o que vê. Saúde, alegria e muita energia pra vc, amiga!
ResponderExcluirVocê sempre tão generosa comigo! Mas fico feliz de estar sempre na escuta. Perto, mesmo longo. Beijo
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