Semana difícil de digerir. Agosto ainda nem começou e parece que se
respira poeira. Tosse, alergia de pele acentuada pela baixa umidade do ar,
nariz entupido, dor de cabeça. Segunda-feira na fila do seguro-desemprego.
Todas as agências fora do ar. Volta no dia seguinte, descobre uma pendência que
impede a concessão do benefício. “A minha parte eu já fiz, querida, agora é
contigo!”, lava as mãos o atendente, à primeira vista simpático. Recebo
orientação de que não é necessário agendamento para o recurso, só que sim!
“Cínico!”, penso, lembrando do atendente da linha acima.
A burocracia consegue transformar qualquer situação de perda num
inferno além da imaginação. Estou escolada nisso. Ano passado gastei tempo e
energia suficientes para moverem Itaipu resolvendo a papelada ligada à morte. E
ainda não acabou. Agora estou naquelas relacionadas ao desemprego. Maravilha!
O todo poderoso Estado, que geralmente só aparece para cobrar a sua
parte da feira, tem razões que a própria razão e ele mesmo, tenho certeza, desconhecem.
Submeter pessoas desiludidas, desesperadas e desestruturadas por situações como
morte ou desemprego a esse tipo de tratamento e exigência deveria ser proibido.
Mas, pelo contrário, faz parte daqueles processos incontornáveis que todo ser
humano precisa passar justo nos momentos de vulnerabilidade.
A impotência de tentar,
inutilmente, resolver uma “pendência” burocrática derruba qualquer um. Quando
era mais nova e chegada a acessos de ira, perdia a cabeça e dizia que ia jogar
bombas nas repartições onde passava por isso. Geralmente funcionava e, num
passe de mágica, se desfaziam os óbices, antes colocados como intransponíveis.
Hoje os tempos são outros e poderia ter sido presa se tivesse feito o mesmo,
como terrorista ou, pior, feminista criadora de caso.
Respira. Respira. Respira. Aí vem a poeira entrando pelo nariz e
queimando a mucosa interna, em surto de alergia há tempos. O desconforto vira
tosse, tosse, tosse, tosse! As pessoas em volta começam a olhar, com cara de
desconforto, na testa está escrito: “vai espalhar suas bactérias em outro
lugar!”. Viver realmente não é para
amadores. Resolvo me retirar do recinto. Olho o céu e nenhuma única nuvem até
onde a vista alcança. Ah, uma chuvinha...
Parece que se o ar ficar menos poeirento vai dissolver essa coisa mal
parada no meu peito. É um misto de impotência, raiva e, principalmente, de
aversão ou não aceitação. Tudo bem, não é o seguro-desemprego, embora realmente
seja desgastante estar nessa situação. Também não é a seca, apesar de ela
piorar a minha alergia, companheira de dois anos já. É a morte. Sim, sempre e
de novo ela.
Não tenho dúvida do nível de liberdade que hoje tenho na vida, acho
que nunca antes na minha história vivi uma situação assim, sem lenço e sem
documento. Mas a coisa que eu mais desejo não está incluída nela e nem nunca
mais estará. Parece tão injusto. Embora eu saiba que a justiça é uma criação da
humanidade, por sinal muito da mais ou menos. Sei que já escrevi isso milhares
de vezes aqui, mas tenho que repetir. Ele se foi. Eu não acredito. Eu não
quero. Eu não aceito. E minhas entranhas se contorcem e é isso aí... Como diz
uma paciente da minha irmã caçula, “é o que a casa oferece”. E nenhum palavrão,
nenhum grande feito tipo roubar o fogo dos deuses, vai mudar isso. E o que me
resta: aceitar!! E, de novo, se remexem minhas entranhas gritando: nem f.....o!
Como recomeço pouco é bobagem, me vejo, aos 41 anos, tendo que
repensar minha vida amorosa, minhas expectativas de futuro, de velhice e, como
cereja do bolo, minha profissão! Haja energia e criatividade. A questão é que
vivo pelo menos metade das minhas horas, acordada ou dormindo, num universo
paralelo ao espaço-tempo, onde travo um diálogo interminável com o meu amor.
São perguntas para as quais ele nunca me dá respostas. Por que você não me disse nada sobre dores no peito? Você tinha dores
no peito? Onde você está que não responde? O que você está fazendo agora? Como
pode ter mentido tanto para mim e depois de dizer que SEMPRE estaria ao meu
lado não está NUNCA? Por que você é tão danado? Tá me testando? É alguma
brincadeira de mal gosto? E, principalmente, quando termina?
E o ponto é: NÃO TERMINA. Continua todo dia, a cada momento com um
novo elemento, como o meu desemprego, mas segue sempre. E nesse entardecer de
seca, passarinhos cantando, vejo uma saracura linda se escondendo embaixo das
bananeiras. “Saracura é sinal de chuva chegando!”, dizia ele, sempre. “Será?”,
penso. E lá vou eu de novo para o mundo paralelo, dos diálogos que não esqueço,
e minha memória de elefante, como diz uma grande amiga, segundo ela
“desmemoriada”, traz a roupa exata que vestíamos, o cheiro, o olhar, o andar,
tudo nos mínimos detalhes até chegar naquela informação: Não volta mais. Droga!
Viver várias vidas ao mesmo tempo cansa e nessa seca dá uma SEDE indescritível,
que começa na boca e termina no coração, bem lá no fundo dele. Ou melhor
dizendo...não se acaba mais.
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