Texto produzido em 2013.
Mulheres – algumas – vão se lembrar
do seriado de TV no qual uma americana bem feita de corpo, olhos azuis e
cabelos negros vestia um top vermelho com detalhes dourados e um short,
bastante ousado para a época, azul e cheio de estrelas. Ser a Mulher Maravilha foi durante anos o meu
sonho secreto – ou nem tanto assim. Os superpoderes nela reunidos – capacidade
de ler pensamento, incrível força física – somados à beleza e aos brinquedinhos
mágicos – avião invisível, laço controlado pela mente e braceletes
indestrutíveis – sempre me fascinaram. Aquele ato de girar com os braços
abertos para se transformar na mulher maravilha, repetido a cada episódio,
marcou muitas brincadeiras da minha infância e adolescência.
Para mim, uma menina nascida nos
anos 70, era muito importante a existência de uma mulher capaz de enfrentar os
homens em pé de igualdade, em todos os campos. Era uma espécie de contraponto
ao modelo familiar no qual minha mãe parecia eternamente dividida entre os valores
recebidos de uma criação machista e as imensas e assustadoras possibilidades
trazidas pela revolução sexual, pelo divórcio e tantas outras novidades pós-década
de 60. A mensagem da Mulher Maravilha era clara e foi repetida pelo primeiro
negro presidente dos Estados Unidos na sua primeira eleição: “Sim, nós podemos!”
– o “Yes, we can!” do Obama.
Mas a mítica da Mulher Maravilha
também tem seu lado profundamente problemático. Começa quando nos sentimos
obrigadas à perfeição, sobretudo diante das pessoas amadas, como se qualquer
“falha” ou dificuldade pudesse trazer um risco concreto de perda do afeto. Tem a
ver com a noção de que só é legítimo receber quando se dá além de qualquer
limite, como só as super-heroínas podem fazer. No caso específico das mulheres,
o acúmulo de funções e expectativas colocadas por nós mesmas e pela sociedade
sobre nossos ombros (profissional, mulher, mãe, filha, amiga, cidadã etc.) enche
a existência e os relacionamentos de opressão.
De repente, sem perceber, estamos
nos responsabilizando pela felicidade do homem que amamos, dos filhos
especialmente, dos nossos pais e até dos mendigos no sinal. Viver assim dói,
nos deixa diariamente em carne viva ao darmos de frente com a impotência
inerente a estar neste mundo. Também nos torna rígidas demais, impermeáveis à
troca genuína que só pode acontecer quando nos permitimos ser imperfeitas ou “apenas
uma mulher”, como disse Caetano Veloso e olha que não é pouco!!
Abandonar a fantasia de Mulher
Maravilha também tem a ver com crescer e amadurecer. Recentemente, fiz uma
viagem a trabalho de dois dias totalmente ordinária, na qual vivi um momento
histórico. Sentei numa padaria perto da Avenida Paulista, pedi uma salada de
salmão e uma taça de vinho de branco. Tudo isso às 19h56 minutos de uma
terça-feira, completamente sozinha e em absoluta PAZ. Não me preocupava quem
ficou em casa e nem o que poderia cruzar o meu caminho dali a pouco. Eu estava
presente em corpo e espírito naquela padaria, sabendo que não sou capaz de controlar
a vida para que funcione perfeitamente para aqueles que amo e, talvez pela
primeira vez na vida, feliz, por saber que a vida é assim.
Então pude saborear esse prazer
tão simples de jantar e tomar um vinho branco gelado, sem me questionar se eu
merecia ou não aquele momento. Uma gratidão indescritível tomou conta do meu
coração, alguma coisa tão especial e banal como estar aqui e me aceitar –
defeitos, dores, vazios e tudo –, e finalmente sentir que posso ser importante
neste mundo, mesmo sabendo que não sou a Mulher Maravilha.
Quando voltei ao meu quarto de
hotel, meia hora mais tarde, e fui subindo ao 19º andar, num elevador
panorâmico, ouvindo música clássica, senti que eu havia me transformado naquela
padaria. Eu tinha descoberto um jeito novo e mais humano de ser feliz. Ano
surpreendente este de 2013, tantas angústias e lutas internas, tudo para eu
poder chegar naquele ponto em que finalmente me aceitei como sou, sem
superpoderes, sem avião mágico, sem ler pensamento, mas não menos digna e
importante neste mundo.
GOSTOU?! #debaixodosipes
Lançamento em Brasília
Data: 29/09/2018 (Sábado)
Local: Bar Tiborna, CLN 403, Bloco B
Horário: 17H
Livros e e-book disponíveis, para todo o mundo e também para o Brasil : Chiado Books
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