sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

MULHER MARAVILHA



Texto produzido em 2013.

Mulheres – algumas – vão se lembrar do seriado de TV no qual uma americana bem feita de corpo, olhos azuis e cabelos negros vestia um top vermelho com detalhes dourados e um short, bastante ousado para a época, azul e cheio de estrelas.  Ser a Mulher Maravilha foi durante anos o meu sonho secreto – ou nem tanto assim. Os superpoderes nela reunidos – capacidade de ler pensamento, incrível força física – somados à beleza e aos brinquedinhos mágicos – avião invisível, laço controlado pela mente e braceletes indestrutíveis – sempre me fascinaram. Aquele ato de girar com os braços abertos para se transformar na mulher maravilha, repetido a cada episódio, marcou muitas brincadeiras da minha infância e adolescência.

Para mim, uma menina nascida nos anos 70, era muito importante a existência de uma mulher capaz de enfrentar os homens em pé de igualdade, em todos os campos. Era uma espécie de contraponto ao modelo familiar no qual minha mãe parecia eternamente dividida entre os valores recebidos de uma criação machista e as imensas e assustadoras possibilidades trazidas pela revolução sexual, pelo divórcio e tantas outras novidades pós-década de 60. A mensagem da Mulher Maravilha era clara e foi repetida pelo primeiro negro presidente dos Estados Unidos na sua primeira eleição: “Sim, nós podemos!” – o “Yes, we can!” do Obama.

Mas a mítica da Mulher Maravilha também tem seu lado profundamente problemático. Começa quando nos sentimos obrigadas à perfeição, sobretudo diante das pessoas amadas, como se qualquer “falha” ou dificuldade pudesse trazer um risco concreto de perda do afeto. Tem a ver com a noção de que só é legítimo receber quando se dá além de qualquer limite, como só as super-heroínas podem fazer. No caso específico das mulheres, o acúmulo de funções e expectativas colocadas por nós mesmas e pela sociedade sobre nossos ombros (profissional, mulher, mãe, filha, amiga, cidadã etc.) enche a existência e os relacionamentos de opressão.

De repente, sem perceber, estamos nos responsabilizando pela felicidade do homem que amamos, dos filhos especialmente, dos nossos pais e até dos mendigos no sinal. Viver assim dói, nos deixa diariamente em carne viva ao darmos de frente com a impotência inerente a estar neste mundo. Também nos torna rígidas demais, impermeáveis à troca genuína que só pode acontecer quando nos permitimos ser imperfeitas ou “apenas uma mulher”, como disse Caetano Veloso e olha que não é pouco!!
Abandonar a fantasia de Mulher Maravilha também tem a ver com crescer e amadurecer. Recentemente, fiz uma viagem a trabalho de dois dias totalmente ordinária, na qual vivi um momento histórico. Sentei numa padaria perto da Avenida Paulista, pedi uma salada de salmão e uma taça de vinho de branco. Tudo isso às 19h56 minutos de uma terça-feira, completamente sozinha e em absoluta PAZ. Não me preocupava quem ficou em casa e nem o que poderia cruzar o meu caminho dali a pouco. Eu estava presente em corpo e espírito naquela padaria, sabendo que não sou capaz de controlar a vida para que funcione perfeitamente para aqueles que amo e, talvez pela primeira vez na vida, feliz, por saber que a vida é assim.

Então pude saborear esse prazer tão simples de jantar e tomar um vinho branco gelado, sem me questionar se eu merecia ou não aquele momento. Uma gratidão indescritível tomou conta do meu coração, alguma coisa tão especial e banal como estar aqui e me aceitar – defeitos, dores, vazios e tudo –, e finalmente sentir que posso ser importante neste mundo, mesmo sabendo que não sou a Mulher Maravilha.

Quando voltei ao meu quarto de hotel, meia hora mais tarde, e fui subindo ao 19º andar, num elevador panorâmico, ouvindo música clássica, senti que eu havia me transformado naquela padaria. Eu tinha descoberto um jeito novo e mais humano de ser feliz. Ano surpreendente este de 2013, tantas angústias e lutas internas, tudo para eu poder chegar naquele ponto em que finalmente me aceitei como sou, sem superpoderes, sem avião mágico, sem ler pensamento, mas não menos digna e importante neste mundo.  



GOSTOU?! #debaixodosipes

Lançamento em Brasília
Data: 29/09/2018 (Sábado)
Local: Bar Tiborna, CLN 403, Bloco B
Horário: 17H

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Livros  e e-book disponíveis, para todo o mundo e também para o Brasil Chiado Books

              

               

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