Fotos: Daniela Rojas.
Há sete anos, cansada de me
sentir permanentemente dentro de uma panela de pressão, tomei a decisão de, a
qualquer custo, encontrar um jeito mais leve de viver. Ao botar o pé na
estrada, tinha fantasias diversas sobre os perigos que me aguardavam – possíveis
rompimentos com pessoas amadas, abandono do trabalho, do casamento, da cidade,
e por aí vai. Mas saí disposta a
tudo! No caminho, entretanto, me deparei com desafios muito diferentes dos
imaginados e muito mais ordinários do que jamais sonhei.
Um dos primeiros e mais difíceis
foi aprender a fazer mosaico. Sim, sempre achei muito bonito esse negócio de, a
partir de pequenos pedaços de qualquer material, montar uma outra imagem,
maior, mais bonita e harmoniosa do que os cacos originais da qual foi feita.
Uma reciclagem artística de materiais, muito interessante.
Mas nunca confiei tanto assim nem
nas minhas mãos, nem no meu senso estético, para me aventurar a fazer um
mosaico ou qualquer outra atividade artesanal. Na tentativa desesperada de escapar daquela
panela de pressão, entretanto, valia qualquer coisa, até isso! Nas aulas, mal
conseguia prestar atenção no que dizia a professora, de tanto barulho que fazia
a minha crítica interna. Dizia coisas assim: “Olha em volta para quem está
neste curso! Só gente desocupada, velha, frustrada, sem trabalho ou coisa
melhor para fazer. É isso mesmo que você quer para você? E blá, blá, blá,
blá...”, sempre vociferando, lá de dentro.
Mas, felizmente, nem esse boicote
interno violento, nem tantos outro fantasmas que tinha no sótão (e ainda tenho,
apesar de mais mansos, devo confessar), foram capazes de mudar minha decisão de
escapar dos padrões antigos que me faziam sentir aprisionada na bendita da panela
de pressão. Muito tempo e peças depois, feitas por essas maozinhas que teclam
agora no computador, tomei um enorme gosto por fazer outros tipos de mosaico,
em especial de imagens, espécie de quebra-cabeça dinâmico da própria vida.
Um dos meus favoritos é composto
por imagens da minha prática de quase seis anos ininterruptos de yoga. Nesse
caso, fica bem mais fácil do que quando tenho que fazer minhas peças
artesanais, porque só junto as fotos - tiradas por minha amiga e mestra, sempre
que sente vontade - e mando para outra amiga que, com sua sensibilidade e
talento, monta o mosaico. Talvez esse processo de produção seja grande parte do
aprendizado que me libertou da panela de pressão. A consciência de que o afeto
não gera nenhuma obrigação, dívida ou coisa parecida. Por isso, podemos pedir e
dar a quem amamos, aceitando o sim e o não, como respostas igualmente válidas,
sempre. Mas sabendo que o afeto está acima ou, melhor dizendo, está na base
dessa interação, como a terra firme sobre a qual nos movimentamos.
Os diferentes pedaços desse
mosaico de posturas e flashes da prática de yoga me lembram hoje que houve uma
ESCOLHA pessoal no começo desse caminho, a de NUNCA MAIS voltar àquela panela
de pressão. Essa reafirmação torna-se especialmente importante quando, no
caminho, caindo do azul, como diria Lulu Santos, a gente encontra com a morte
do nosso parceiro de vida, ator fundamental em todos os momentos dessa
trajetória. Nos olhos dele, no nosso diálogo aberto e sem meias palavras, eu
confirmava cada conquista e onda de descompressão, em direção à LIBERDADE,
sentido mais amplo de todo esse processo, certamente.
Ficar sem a presença física dele
e seguir caminhando faz a gente duvidar de tudo, mas principalmente de mim
mesma. Em algum momento, vem uma armadilha, quase canto de sereia, que faz
atribuir todo o valor dessa construção a quem se foi, principalmente quando foi
o homem quem partiu. Somos produto da nossa cultura, por mais que tenhamos
ganhado consciência, ao longo da vida, da opressão que ela traz para toda e
cada uma das mulheres. Ser livre “protegida” pela benção de um marido que
“aprova” suas condutas libertárias e até as estimula sempre será mais fácil no
mundo em que ainda vivemos do que ser livre simplesmente, sem homem nenhum ao
lado.
E, quando o correr da vida, como
diria Guimarães Rosa, nos exige performance, desempenho no trabalho, na
maternidade, no provimento das necessidades materiais dos nossos filhos, no
trânsito tão agressivo, na batalha por conseguir um homem... a panela de
pressão vem do além para tentar nos engolir de novo. Parece ficção científica trash, mas para quem conhece bem o
funcionamento de um artefato desse tipo e já viveu dentro de uma, e acredito
que toda brasileira já teve suas experiências nesse campo, é literalmente a
hora do pesadelo.
Felizmente, como eu sempre gosto
de dizer, a história não volta atrás NUNCA. E a consciência adquirida em cada
passo dado nos lembra que por, mais profundos e transformadores que sejam os
nossos encontros na vida, somos nós mesmos quem escolhemos a cada dia o próximo
passo. Ter essa noção faz perceber finalmente que hoje, nem meu pé, tamanho 35,
cabe dentro dessa panela de pressão. Ufa! Aleluia! Namastê!
A dor de perder o meu amado, a
tristeza pelo tempo nesse mundo que não compartilharemos, a saudade do seu
corpo, das suas ideias e, principalmente, da sua presença nessa caminhada
seguem comigo, mas não me pressionam. Desde que eu não lute contra elas e nem
transforme o desejo por um tempo menos intenso emocionalmente em mais uma
pressão para recompor todos os campos da minha existência. Esse processo está
em curso, naturalmente, e não se parece em nada com subir uma escada, na qual
os degraus medem o ponto em que me encontro. Está muito mais para um lago, rio
ou mar, cujas correntes se fazem e desfazem o tempo inteiro, mas que mantém uma
coerência absoluta com os movimentos da vida e do meu coração – e basta.
PS – Aos meus leitores e leitoras, querid@s, quero dizer que não
tenho mais nenhum texto guardado para publicação. Então agora o blog traz o
desafio da página em branco para mim. Mas como meu objetivo aqui é ter PRAZER
em escrever e compartilhar, não vou deixar a pressão da produção me assustar e
nem pautar. Vou seguir fluindo com o tempo disponível para esses escritos e com
as palavras que pedirem para serem lançadas nesse espaço cibernético. Afinal, o
afeto aqui trocado não gera obrigação de nenhuma das partes...
GOSTOU?! #debaixodosipes
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