quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

PAUSA PARA AS FESTAS DE FINAL DE ANO





Pensei muito em como prosseguir com as postagens desse blog neste período de Natal e Ano Novo.  A coincidência entre essa época naturalmente mais nostálgica e a publicação dos textos produzidos neste 2015 de luto pela morte do meu amor não me pareceu adequada para celebrar esse rito anual de passagem e renovação. Pela minha natureza otimista e esperançosa, achei que seria pesar demais a mão se continuasse a publicar agora a sequência de escritos produzidos. Tampouco me pareceu adequado quebrar a ordem cronológica que venho seguindo desde o princípio, que me parece fundamental para a compreensão completa do conteúdo compartilhado neste espaço.


Então, decidi fazer uma pausa de final de ano. Um tempo de silêncio e absorção de tantos fatos, emoções e aprendizados vividos por cada um de nós nos últimos doze meses. Retomarei as postagens num ritmo mais condizente com o período de férias de verão, a partir do dia 06 de janeiro de 2016. Deixo a todos uma imagem marcante do final deste 2015 tão desafiador, na qual a união e as vozes das crianças nos preparam para o renascer de cada dia e cada ano novo e bom porque estamos vivos! Namastê a todos os que me acompanharam até aqui!



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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

SÉTIMO DIA



Esta é a história de um lugar por onde passaram alegrias e tristeza infinitas, ao longo da minha vida. Como se fosse um círculo, os fatos começam, depois seguem, seguem me levando por aí até voltarem de novo para essa igreja de estilo mediterrâneo, em homenagem a São Pedro de Alcântara, em Brasília. A tristeza começou ali, em agosto de 1992, quando foi rezada uma missa de sétimo dia pelo falecimento da minha mãe, que deixou, aos 50 anos, um viúvo desnorteado e três filhas órfãs de 17, 13 e dez anos, sendo eu a mais velha....



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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O DIA SEGUINTE (2)


A madrugada entre o dia 16 e 17 de janeiro de 2015 foi a mais longa e escura de toda a minha vida, e ainda não terminou. Nas horas que se seguiram à morte do meu amor, tinha certeza de que o dia nunca mais amanheceria. Atropelada por uma retroescavadeira – sua partida súbita e fulminante – não conseguia sequer chorar. Sentada na soleira da porta da nossa casa viva e problemática, como gosta de dizer a nossa filha mais velha, via chegar gente e atendia telefonemas, como um robô...



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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

PRAIA DOS CARNEIROS



Foto: marinheiro do barco em Carneiros.

Há lugares que se tornam mitos na nossa vida. Praia dos Carneiros, em Tamandaré, Pernambuco, foi assim na minha. Desde os 20 anos, quando conheci uma das minhas melhores amigas, filha de uma família muito importante de São José do Egito, no sertão do Pajeú, ouço falar dessa praia como a mais bonita do mundo, com toda certeza. Conhecendo a natureza um pouco exagerada dessa amiga e dos seus familiares, sempre dava um desconto de uns 40% (pelo menos) para essa afirmação...



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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

O PANDEIRO E O ZEN

Texto produzido em 2014.

Os fantasmas resolveram fazer a folia na minha cabeça neste Carnaval. Não saberia dizer exatamente por onde eles entraram, talvez pelo velho medo do prazer, grande rei desses dias de festa. Sempre tive admiração e medo das cores e da alegria destes dias tão brasileiros, não aprendi a brincar Carnaval quando criança e talvez por isso fique sempre, lá no fundo, uma sensação de insegurança ou falta de jeito, no meio da multidão de foliões....



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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

MARINA MENINA



Texto produzido em 2014.

Todos sabem que Marina é uma boa menina, embora tal não pareça pois é um pouquinho travessa.” A minha história começou nesta frase tirada do livro “Os Sonhos de Marina”, um dos favoritos da minha mãe quando pequena, de onde veio o meu nome, abençoado também pelo meu pai graças ao seu amor pela música “Marina Morena”, de Dorival Caymmi. Esse negócio de ser uma boa menina antes mesmo de nascer transferiu toneladas de peso e responsabilidade para os meus ombros, muito antes de eu aprender a falar o meu nome.

Não sei o que veio antes: minha índole de salvadora do mundo e principalmente das almas ou essa profecia trazida pelo poema do qual tiraram meu nome. O que sei é que, aos 39 anos, depois de muito esforço pessoal para me entender melhor e viver mais plenamente, me pego em conflito quase permanente com essa Marina menina. Na maioria das vezes, ela começa a me atentar o juízo no momento em que escolho atender um desejo, por menor que seja. Mas, nos últimos tempos, tenho arriscado ir além, sentir e seguir vontades um pouco mais ambiciosas, como comprar um carro novo ou viajar com minhas amigas para o aniversário de 40 anos de uma das meninas da turma, com um final de semana adolescente, sem marido e sem crianças, só curtindo o presente que ousei me dar.

O sofrimento dessa Marina menina, ao perceber que a adulta que sou hoje escuta os seus desejos e cultiva o prazer na vida, é indescritível e, por vezes, transborda para o presente e recobre tudo de culpa, e medo de um castigo futuro. Lá, na famosa terceira margem do rio, de Guimarães Rosa, nas profundezas, onde os rios são tranquilos e escuros como os sofrimentos dos homens, tentamos nos entender. No começo, eu queria vencê-la – ou convencê-la – do meu ponto de vista, quase como se fôssemos duas ocupando o mesmo corpo. Uma loucura!

Depois de muito caminhar e visitar a terceira margem do rio, cheguei à conclusão de que essa menina precisa ser acolhida, colocada no colo, como faço com os meus filhos. Talvez assim possamos nos dar as mãos e seguir a vida, sem tantos conflitos internos. A frase de uma amiga, a quem admiro além de qualquer palavra pela sua capacidade de se entregar à vida e ao prazer, tem sido um mantra nesse processo: “Paciência com as nossas dores e fé de que seremos capazes de superá-las.”

Desde a semana passada, véspera da minha viagem adolescente para curtir os quarentinha da minha amiga na Paraíba, venho sendo assombrada pelo medo ancestral da Marina menina. Essa parte antiga de mim fala de uma ameaça iminente de perder todos os que amo e tudo o que conquistei ao lado deles por correr atrás do meu desejo de viver, mesmo que tardiamente, um pouco da despreocupação adolescente, da qual abri mão para cuidar do meu pai e das minhas irmãs depois da morte da minha mãe, e mesmo muito antes, quando ela ainda era viva.

A viagem foi ótima, cansativa porque curta e intensa em interação com pessoas muito queridas, mas na hora de voltar para casa, na esteira da exaustão física, recomeçou o embate interno, o conflito entre os meus medos mais primários e a Marina adulta, que finalmente está assumindo o comando da situação.

De repente, parecia que o mundo à minha volta tinha ficado sombrio e cheio de tragédias e dificuldades, e uma voz cruel, lá no fundo, me culpava por cada uma dessas coisas ruins, por ter desistido de salvar as pessoas e o mundo, porque finalmente comecei a aceitar a IMPOTÊNCIA. No último e mais pesado round desse embate, encontrei meu filho mais novo e percebi que ele havia sentido a minha ausência de três noites e dois dias – um final de semana somente! – e isso dilacerou meu coração. Por uma brecha funda e escura, veio uma sensação antiquíssima de abandono. Nessa hora, quase dei razão à Marina menina e, por um triz, não me arrependi dessa mania de querer abrir o peito e viver plenamente o momento presente, confiando que tenho instrumentos para lidar com os movimentos da vida.

Mas, num lampejo final de lucidez adulta, consegui dizer a ela: “Será que você não entende que essa viagem foi por você? Porque você sempre quis estar completamente livre para poder curtir, assim como os seus amigos faziam na adolescência, sem se preocupar com a mãe, com as irmãs, com os avós ou com a prima, e depois com os filhos?! Demorei 39 anos para conseguir te dar esse presente! Será que você pode simplesmente aceitá-lo, por favor? Será que nós podemos somente receber o amor dos nossos amores, que ficaram em Brasília e cuidaram um do outro e de si próprios, e descansarmos neste ninho que nós construímos? É de GRAÇA, não tem uma dívida atrelada a esse afeto, ele é nosso de VERDADE, mas mesmo o que é de graça precisa ser ACEITO, e chegou o tempo de fazermos isso!”.

Neste momento, lá do fundo da minha memória afetiva, veio a voz do Nelson Gonçalves cantando “Marina Morena”, mais especificamente o trecho em que ele exercita o auge do seu estilo dramático “eu já desculpei tantas coisas, você não arranjava outra igual, desculpe Marina morena, mas eu estou de mal, de mal com você, de mal com vocêêê”. Era um ritual repetido pelo meu pai, toda vez que brigávamos ou ele não gostava de alguma coisa que eu tinha feito, sobretudo depois da morte da minha mãe, amanhecer o dia com essa música a toda, no alto falante do som da minha casa.

Ainda, num último ato de força e lucidez de adulta, lembrei a mim mesma, gentilmente: “Ninguém está de mal de você, já passamos dessa fase. Pode descansar tranquila e saber que mesmo esse pai da sua memória ama você, independentemente de qualquer coisa, mesmo que tenhamos demorado tanto tempo para descobrir o que teria sido o óbvio”. Afinal, todo amor é de graça, mesmo que algumas pessoas escondam esse segredo a sete chaves, por medo de perder o afeto que tanto precisam.

E, por fim: “A impotência não é ruim e nem é nossa somente, mas faz parte da vida e nos dá o direito de errar e acertar como todo mundo. Pode deixar para trás esse medo de crescer e virar mulher. Ser adulta é ÓTIMO porque podemos escolher por nós mesmas! E, desde sempre, almejamos mais do que tudo viver a vida em paz e com LEVEZA e, enfim, esse tempo chegou, menina!”. Foi um conflito intenso, profundo, mas, de alguma maneira, definitivo também. Como diriam os pernambucanos: “Pense numa festa de 40 anos que mudou o mundo?!” Foi essa da minha amiga em João Pessoa.



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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

QUARENTINHA



Texto produzido em 2014.
Foto: Lucia Helena Carneiro.

Dia de fazer os benditos exames preventivos do câncer de mama: mamografia e ecografia mamária. Pura diversão! Para muitas mulheres, divisor de águas, porque marca a chegada dos famosos e, por vezes, temidos ENTA. Não no meu caso, que já estou acostumada a essa alegria desde os 36 anos, pois tive mãe que morreu de câncer, o que me coloca em categorias especiais de monitoramento preventivo.

Mas estar ali naquele lugar, de batinha de TNT, azul escuro, nua, naquele ar condicionado gelado, com uma pulseirinha de papel indicando o nome do exame que será realizado, sempre tem um impacto. Primeiro, vem a técnica de raio-x, achando que está causando empatia, ao repetir a cada nova rodada de imagens da pobre mama, espremida em todos os ângulos: “É, senhora, mulher sofre!”, seguido do obrigatório suspiro. Terrível essa cultura que faz de toda mulher uma sofredora só porque nasceu com útero e mama. Depois a médica: “Nossa, você é muito jovem! Posso perguntar qual a sua idade?” “Trinta e nove.” “Ah! Até este ano você podia escapar de um exame anual, mas, a partir dos 40, não dá mais.” Alegria completa!

Em seguida, vem o doutor da ecografia mostrando na imagem da televisão que a gordura já começa a ser mais abundante que o tecido mamário. “Tudo muito normal e esperado!”, completa, consolador. Dá vontade de mandar todo mundo tomar no olho do... E você ali, docilmente aguentando, porque, afinal de contas, em se tratando de doença, é melhor passar por isso do que ter câncer, né?

Meio amassada, depois de uma noite mal dormida, e, claro, depois de terminar os benditos exames, saio para a luz do sol e penso: “Deve ser uma pegadinha!” E começo a rir sozinha. Chegar aos ENTA pode ser MARAVILHOSO e LIBERTADOR, mas tem uma condição: ser capaz de aceitar certas fragilidades e mudanças do corpo e espírito, com bom humor. Não é à toa que Buda tem sempre aquele sorrisinho sacana! É neste ponto, justamente, que “a porca torce o rabo”, como se dizia no tempo da minha avó – mais uma expressão para o dicionário de gírias fora de moda que estou escrevendo em parceria com outra amiga, que sempre será mais velha do que eu, OBVIAMENTE, pois, para desespero dela, nasci no início de 1975 e ela no meio de 1974.

Depois de passar praticamente todos os meus trinta anos em terapia, Ioga, exercícios para meditar e domar o elefante da mente, aprendendo a fazer mosaico, jogar tarô e me aventurando no pandeiro e no tantã, gostaria de dizer, sem piscar: “Sim, eu aceito as imperfeições e sorrir naturalmente como Buda!” Mas, na real, confesso que ainda me custa um pouco. Bate um certo medo de abrir mão da onipotência da juventude e desistir de me esforçar para ser interessante e útil aos que me rodeiam para simplesmente ser o que for. Ainda me desgasta profundamente uma noite de sono perdida, mesmo que hoje eu saiba que é só isso, uma noite de insônia, e não o começo do fim ou de um ciclo de desespero e loucura, como eu costumava sentir antes.

No próximo final de semana, vou viajar para João Pessoa com minhas amiguinhas, a turminha das quarentonas, para festejar os quarentinha de uma de uma de nós. Fui convidada no final do ano passado e demorei uns dois meses para me decidir se iria ou não, ainda mais sozinha, sem marido e sem crianças. No final, fechei os olhos e senti lá no fundo um DESEJO genuíno de estar presente naquele momento de celebração. Aí me permiti resgatar uns pontos de fidelidade e acertar os detalhes para viajar. Preparei um presente com minhas próprias mãos para lembrar como conheci essa amiga – tínhamos 13 anos, dançávamos no corpo de baile da Tia Ofélia, em Brasília; ela, a estrela do corpo de baile, e eu, a esforçada e falante do grupo.

Acho que um pouco da minha insônia de ontem foi ver chegar o momento da viagem e da realização do meu DESEJO e temer que não seja extraordinário, que não seja perfeito, que eu não corresponda às expectativas, que precise ir para o hotel descansar porque afinal não sou mais aquela pessoa sem fronteiras, aquele tanque de guerra que elas todas conheceram e foram também, em alguma medida.

Mas aí vem o lado MARAVILHOSO e LIBERTADOR de chegar aos quarenta: conhecer os meus limites e respeitá-los e, principalmente, abrir mão de controlar os encontros ou mesmo de analisar o seu significado. Como eu descobri recentemente, um encontro é sempre só isso: pessoas interagindo no PRESENTE, da forma mais ordinária possível, sentindo coisas boas ou ruins, a depender de como rola a interação naquele momento específico.

O patrimônio de afeto, entretanto, tecido ao longo da vida entre amigas, em alguns momentos mais próximas, em outros mais afastadas, sustenta toda essa teia de amor misteriosa, concreta e absolutamente fluída da vida. Em suma, quero chegar aos quarenta confiando em mim mesma, sabendo que não preciso explicar quem sou ou ter minhas decisões aprovadas por quem quer que seja para ser amada. Eu simplesmente mereço esse amor e posso desfrutar dele, a força mais poderosa do universo que salvou o lendário Harry Potter ainda bebê de morrer pelas mãos do Lord das Trevas, finalmente, em paz.



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Lançamento em Brasília
Data: 29/09/2018 (Sábado)
Local: Bar Tiborna, CLN 403, Bloco B
Horário: 17H

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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

MULHER MARAVILHA



Texto produzido em 2013.

Mulheres – algumas – vão se lembrar do seriado de TV no qual uma americana bem feita de corpo, olhos azuis e cabelos negros vestia um top vermelho com detalhes dourados e um short, bastante ousado para a época, azul e cheio de estrelas.  Ser a Mulher Maravilha foi durante anos o meu sonho secreto – ou nem tanto assim. Os superpoderes nela reunidos – capacidade de ler pensamento, incrível força física – somados à beleza e aos brinquedinhos mágicos – avião invisível, laço controlado pela mente e braceletes indestrutíveis – sempre me fascinaram. Aquele ato de girar com os braços abertos para se transformar na mulher maravilha, repetido a cada episódio, marcou muitas brincadeiras da minha infância e adolescência.

Para mim, uma menina nascida nos anos 70, era muito importante a existência de uma mulher capaz de enfrentar os homens em pé de igualdade, em todos os campos. Era uma espécie de contraponto ao modelo familiar no qual minha mãe parecia eternamente dividida entre os valores recebidos de uma criação machista e as imensas e assustadoras possibilidades trazidas pela revolução sexual, pelo divórcio e tantas outras novidades pós-década de 60. A mensagem da Mulher Maravilha era clara e foi repetida pelo primeiro negro presidente dos Estados Unidos na sua primeira eleição: “Sim, nós podemos!” – o “Yes, we can!” do Obama.

Mas a mítica da Mulher Maravilha também tem seu lado profundamente problemático. Começa quando nos sentimos obrigadas à perfeição, sobretudo diante das pessoas amadas, como se qualquer “falha” ou dificuldade pudesse trazer um risco concreto de perda do afeto. Tem a ver com a noção de que só é legítimo receber quando se dá além de qualquer limite, como só as super-heroínas podem fazer. No caso específico das mulheres, o acúmulo de funções e expectativas colocadas por nós mesmas e pela sociedade sobre nossos ombros (profissional, mulher, mãe, filha, amiga, cidadã etc.) enche a existência e os relacionamentos de opressão.

De repente, sem perceber, estamos nos responsabilizando pela felicidade do homem que amamos, dos filhos especialmente, dos nossos pais e até dos mendigos no sinal. Viver assim dói, nos deixa diariamente em carne viva ao darmos de frente com a impotência inerente a estar neste mundo. Também nos torna rígidas demais, impermeáveis à troca genuína que só pode acontecer quando nos permitimos ser imperfeitas ou “apenas uma mulher”, como disse Caetano Veloso e olha que não é pouco!!
Abandonar a fantasia de Mulher Maravilha também tem a ver com crescer e amadurecer. Recentemente, fiz uma viagem a trabalho de dois dias totalmente ordinária, na qual vivi um momento histórico. Sentei numa padaria perto da Avenida Paulista, pedi uma salada de salmão e uma taça de vinho de branco. Tudo isso às 19h56 minutos de uma terça-feira, completamente sozinha e em absoluta PAZ. Não me preocupava quem ficou em casa e nem o que poderia cruzar o meu caminho dali a pouco. Eu estava presente em corpo e espírito naquela padaria, sabendo que não sou capaz de controlar a vida para que funcione perfeitamente para aqueles que amo e, talvez pela primeira vez na vida, feliz, por saber que a vida é assim.

Então pude saborear esse prazer tão simples de jantar e tomar um vinho branco gelado, sem me questionar se eu merecia ou não aquele momento. Uma gratidão indescritível tomou conta do meu coração, alguma coisa tão especial e banal como estar aqui e me aceitar – defeitos, dores, vazios e tudo –, e finalmente sentir que posso ser importante neste mundo, mesmo sabendo que não sou a Mulher Maravilha.

Quando voltei ao meu quarto de hotel, meia hora mais tarde, e fui subindo ao 19º andar, num elevador panorâmico, ouvindo música clássica, senti que eu havia me transformado naquela padaria. Eu tinha descoberto um jeito novo e mais humano de ser feliz. Ano surpreendente este de 2013, tantas angústias e lutas internas, tudo para eu poder chegar naquele ponto em que finalmente me aceitei como sou, sem superpoderes, sem avião mágico, sem ler pensamento, mas não menos digna e importante neste mundo.  



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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

GEOGRAFIA DA ALMA



Texto produzido em 2013.
Foto: Ana Flora Caminha.

Quando fecho os olhos e tento não pensar em nada, começo a me perguntar como seria a paisagem na minha alma. Vez por outra faço um esforço de visualização e tento desenhar a cena, começo com umas pedras na beira do mar ou um túnel de flores que vão dar num jardim secreto de inspiração oriental. No fim, acabo indo parar num cerrado, debaixo de um ipê branco, amarelo ou rosa, com uma Chapada no fundo e uma vereda bonita, com um barulho de rio ou cachoeira. Acho que sou mesmo filha do Planalto Central, corpo e alma...



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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

ENCONTRO NO BONFIM



Texto produzido em 2013.
Foto: Oswaldo Buarim Jr.

É claro que este texto fala da Bahia e de fitinhas coloridas balançando ao vento em frente à Igreja de Nosso Senhor do Bomfim, em Salvador. Esse lugar é, ao mesmo tempo, o começo e o final de uma longa jornada iniciada em 1997. Era um novembro de calor escaldante quando saí de Ondina – com um barrigão de sete meses da minha filha mais velha – procurando a igreja onde meu avô paterno havia feito promessa, 23 anos antes, pelo meu nascimento. Meus pais estavam casados há cinco anos naquela época, sem evitar filhos, e sem receber a tão esperada visita da cegonha. As histórias de promessas feitas pelo meu nascimento sempre foram abundantes na minha família, cada um dos lados puxando a brasa para aquele “seu” santo, que havia “de fato” realizado o milagre da minha vinda. Nasci no dia 13 de janeiro, muito longe do calor da Bahia, mas muito perto da data em que se celebra a festa de Nosso Senhor do Bomfim. E, em razão disso, sempre enxerguei nisso uma “evidência” de que a promessa que surtira efeito foi a do meu avô paterno, um piauiense amante da Bahia, como ele sempre gostou de dizer...



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terça-feira, 24 de novembro de 2015

O DIA SEGUINTE



Texto produzido em 2012.

Amanhecer a uma perda é a maior afirmação possível de amor à vida. Diante de uma grande dor, pode parecer mais fácil e seguro fazer pactos com a tristeza do que com a alegria. Há quase 20 anos perdi minha mãe. Ela morreu de câncer, aos 50 anos, depois de quatro meses de muito sofrimento físico e emocional para ela e todos nós à sua volta. Lembro-me de ter ido de branco ao enterro, num macacão hippie, meio transparente, com uns bordados prateados na altura do peito. Era meio-dia de um domingo de agosto, de sol forte, de seca. Tinha uma frase na lápide dela que durante anos me assombrou: “Ela foi voluntariamente a última das servas do Senhor”. Isso inscrito num mármore preto, com um crucifixo prateado em cima. Lembro ainda de uma árvore retorcida do Cerrado na beira do túmulo e de um buraco cavado no chão tão fundo, que me dava a sensação de que ia até o outro lado do mundo...



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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O JUÍZO FINAL


Texto produzido em 2011, logo após o terremoto e tsunami no Japão.

A tragédia japonesa neste início de ano – terremoto, tsunami, explosão de reatores nucleares – e suas imagens vistas no mundo inteiro têm tirado o sono de muita gente. A proximidade com 2012, data cabalística do calendário Maia, popularizada por filme de ação com o mesmo nome, vem alimentando em muitos corações o temor de que o Juízo Final esteja próximo. Meu pai é uma dessas pessoas. Em um sábado, na mesa de almoço, anunciou que devemos estar preparadas, porque o grande dia está chegando...



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sábado, 21 de novembro de 2015

SOBRE SAIR DO ARMÁRIO




Texto produzido em 2011.
Foto: Daniela Rojas.

Não, esse não é um texto sobre alguém que assume uma opção sexual diferente do padrão. A expressão aqui será usada num sentido mais amplo: mostrar-se para o mundo sem medo. Sair do armário pode ser especialmente difícil para pessoas acostumadas a serem aplaudidas por seus talentos, por sua capacidade de superação, por seu poder de compreender os outros ou de adivinhar os seus pensamentos e necessidades. Falo por experiência própria porque estou, faz algum tempo, tentando escancarar a porta do meu armário. Mas, como uma amiga me disse tão bem dia desses: “Você parece uma menina que abre a porta, espia do outro lado, faz menção de sair, mas fica grudada na maçaneta e volta para dentro.” Concordei. “Essa sou eu neste momento.”



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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

SOBRE VIVER SAMBANDO




Texto produzido em 2011.

Falando sério: será que existe algo mais perturbador do que ser feliz e saber disso? Tenho percebido, nas horas de maior prazer e tranquilidade da vida cotidiana, que sou assaltada por uma palpitação repentina e um aperto no peito. Como se eu caísse das nuvens, de repente, e me afastasse cada vez mais daquele momento presente, fixando um futuro em algum sentido melancólico ou trágico, marcado por alguma perda.  “Porque afinal essa vida boa não pode durar para sempre”, grita alguém lá no fundo de mim. É como uma condenação, uma certeza profética de que todo prazer será castigado com o fim...



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quarta-feira, 11 de novembro de 2015

NAMASTÊ!


Texto produzido em 2011.
Foto: Daniela Rojas.

Desde muito pequena tenho um grande fascínio por Deus – o ser maior, universal, supremo, verbo encarnado para alguns, energia cósmica para outros, enfim, aquele que é maior do que todos nós. Aos oito anos, ganhei a “Bíblia em Quadrinhos para Crianças”, me atirei avidamente na leitura e dei de cara com a história de Jó. Para os que não o conhecem, tratava-se de pessoa extremamente boa a quem Deus enviou todo tipo de desgraça para provar ao Satanás a força da fé daquele homem. Aquilo me tirou o chão completamente. Não conseguia imaginar como Deus podia ser tão mau. Fui tomada de um terror absoluto daquele Ser Supremo, de quem eu jamais poderia me esconder. Teve origem nesse episódio a minha primeira crise existencial....



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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

A CRIAÇÃO DO MUNDO, OXALÁ E OGUM



Texto produzido em 2010.
Foto: Marina Oliveira.

Tenho um grande amigo roqueiro e compositor que tem o dom das palavras exatas. No início da minha jornada mais recente de autoconhecimento perguntei, durante um almoço: “Se tivesse que me descrever em poucas palavras, o que você diria?”. Quase sem respirar, disparou: “Uma imensa energia realizadora”. Na hora não achei nem bom e nem ruim, só altamente inesperado. Mas aquilo me acompanhou, sem eu saber direito a razão.....



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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

CLARICE LISPECTOR, O AMOR E OUTROS ESCRITOS

Texto produzido em 2009.

Ela escreve para digerir a existência, fazer sentido do que lhe parece insondável e, por isso mesmo, assustador. Assim é Clarice Lispector em seus escritos que brotam de dentro para fora, impressões fundas, rasas, alegres, tristes, tão variadas quanto todos os adjetivos, de todas as línguas existentes. Jogo de sombras e luz que a vida lança sobre homens e mulheres, na medida em que corre.

Mas escrever para viver é diferente de viver de escrever. A primeira opção está ligada a uma necessidade profunda de algumas criaturas de dar sentido a sentimentos, experiências, realidades. Faz parte de um esforço de autoconhecimento e cura da solidão mais agreste, da dor mais profunda e do prazer mais intenso. A segunda pressupõe uma exposição dolorida à crítica alheia, ao julgamento estético e de conteúdo, à empatia com os leitores e seus interesses, à máquina de produção que paga os salários, aquece o mercado editorial e resulta em best-sellers ou fracassos retumbantes.

O repórter que aspira a escritor se esforça para retocar a realidade dos fatos para que cheguem mais perto da ficção. Busca arrancar lágrimas, risadas ou indignação a partir dos ingredientes que encontra na rua, nos relatórios, nos gabinetes e nas aspas de alto impacto – muitas vezes esquentadas no micro-ondas da redação. Mas se esconde por trás da imparcialidade, como se o seu ofício de quase-escritor pudesse passar despercebido o tempo todo. Fica sempre no quase, no projeto de literato, ou de autor de verdade, preso às amarras dos fatos e da maneira como são produzidos pela indústria da notícia.

Nessa eterna tensão entre realidade e ficção, o repórter-escritor corre contra o tempo do fechamento implacável dos jornais diários – e contra a mediocridade dos textos pré-moldados pelas cinco perguntas básicas do jornalismo ensinado na escola: o que, quando, onde, como e por quê?  Nos furos deixados pela fórmula clássica, escorre o mais pungente e verdadeiro da realidade que nos cerca, da existência das pessoas e do próprio repórter. Jornalismo e literatura parecem inconciliáveis, embora estejam sempre namorando.

O ficcionista se expõe, sem a rede de segurança dos fatos que embasam a narrativa jornalística, à crítica implacável e ao fracasso. Mesmo assim segue preso às restrições impostas pelo interesse atual do público leitor neste ou naquele gênero, nesse ou noutro tema, na febre do momento do mercado editorial. A libertação pretendida por quem escreve para viver parece, portanto, inalcançável aos que vivem de escrever.

Penso em escrever em um blog, e me sinto como se fosse tirar a roupa em público, na internet. Hoje está na moda o escrito intimista que revela os detalhes da vida mais particular dos autores, que vivem de relatar suas jornadas de autoconhecimento. A minha começou quando ainda era garota e imaginava que um dia teria vivido o suficiente para poder escrever um livro. Na minha cabeça de então, só quem tinha experiência de vida poderia ser autor, seria uma espécie de pré-requisito necessário ao ofício. Pensava que depois dos 30 anos, com certeza teria adquirido bagagem suficiente para iniciar essa viagem. Mas já estou às portas dos 36 – e continuo inédita. Pior, cada vez mais insegura a respeito do tal livro cujo tema segue sendo um grande ponto de interrogação.

Lendo “Outros Escritos” de Clarice Lispector – presente do meu amor –, não consigo deixar de me identificar com a autora, que começou a escrever por necessidade absoluta, como eu. Lembro dos meus primeiros diários, entre os nove e os dez anos, refúgio no qual buscava sentido para aplacar os fantasmas contra os quais lutava no dia a dia, sem ter a coragem de contar a ninguém sobre eles. Na solidão profunda de quem teme ver sua imagem destruída por revelar aos outros, mesmo os mais próximos e amados, as fraquezas que rondam sua alma, encontrava no hábito diário da escrita um porto seguro. Local retirado do mundo, no qual é permitido explorar todas as coisas, sem medo de retaliações ou críticas, sem limites. É isso que chamo de escrever para viver, buscar um pedaço de papel para organizar pensamentos, desabafar sentimentos e, principalmente, encontrar a libertação dos tais fantasmas ou macaquinhos no sótão, como diria o menino maluquinho de Ziraldo. Um ato mágico para criaturas que precisam digerir a existência porque sentem que, se não o fizerem, serão destruídas por ela. Daí minha identificação com Clarice.

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Agora um parêntese sobre o amor – o meu. Um dia chegou em casa e disse que tinha comprado um presente para mim. Despretensiosamente, como é bem do seu feitio. Logo na capa do livro, uma poesia toda rabiscada sobre “o peso da palavra não dita, prestes quem sabe a ser dita...” “Danado! Como ele sabe?”. Senti que ele desnudava minha alma, de uma maneira insuspeita. Que, na sua rotina corrida e na sua aparente distração, me conhecia profundamente, apesar da minha dificuldade atávica de deixar o outro entrar e saber quem sou de verdade. Uma onda de gratidão me invadiu junto com uma grande descoberta: o amor nos liberta da necessidade de buscar refúgio num pedaço de papel. Eureca! Há outra maneira mais prazerosa e COMPARTILHADA de digerir a existência. Desde então, penso que não preciso mais escrever para viver, me sinto finalmente capaz de simplesmente viver. O negócio é que continuo gostando de escrever. Será esse o “momento mágico” que minha imaginação de menina criou quando a bagagem está finalmente pronta para se começar a viagem da autora?  A seguir cenas dos próximos capítulos!

GOSTOU?! #debaixodosipes

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