segunda-feira, 11 de abril de 2016

SUPERFÍCIE


Foto: Lago Paranoá, por Marina Oliveira.

Adoro olhar as águas do Lago Paranoá em dias ensolarados. A luz refletida pelas ondas e o vento que vai soprando e mudando a maneira como os raios solares são quebrados e devolvidos para o céu me trazem uma sensação de conexão com a essência da vida. Em noites de lua cheia, amarelada pelo céu seco do cerrado, tenho um sentimento parecido. Poder perceber isso numa manhã de sábado, no meio de um período especialmente turbulento no meu coração, renova em mim a certeza de seguir tendo as raízes profundamente agarradas nesta existência terrena. Ufa! Algo que, em certos momentos, tem parecido um absurdo e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade em meio a ondas bravias que têm me balançado junto com meu barco de papel desde a morte do meu marido.

Este ano de 2016, especialmente, destruiu algumas fantasias que eu ainda alimentava na fase anterior desse luto. A mais traiçoeira delas foi acreditar, mesmo que de forma inconsciente, que haveria um corte no tempo, um divisor de águas claro entre este tempo de dor, instabilidade e elaboração e uma nova etapa, sem tempestade, em águas novamente tranquilas. Na verdade, estive o ano passado inteiro como um paciente na UTI, totalmente focada em voltar para o quarto e sair daquele lugar miserável. Mas, quando atingi minha meta e olhei em volta, me dei conta de que o mundo jamais seria o que foi antes. Ele não volta mais e não há como retornar para onde eu REALMENTE queria ir. E o que faço de mim e do tempo longo que ainda tenho para caminhar neste mundo, sem ele?

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domingo, 3 de abril de 2016

POLARIDADE



Foto: Florianópolis, por Fabiany Made.

Há vozes tão profundas dentro de nós que, muitas vezes, se confundem com a nossa própria. Elas carregam um conjunto de valores, maneiras de enxergar a vida, a morte, o masculino e o feminino, o divino, a maternidade, os relacionamentos afetivos em geral, e por aí vai. Mais do que isso elas se confundem com a verdade ABSOLUTA do universo. São produto das nossas experiências mais antigas de infância e adolescência sobre o nosso valor no mundo, mas principalmente para as pessoas que amamos. Criada numa família de polaridades, um lado porra louca e cheio de tragédias e outro absolutamente rígido e com muitas dores guardadas a sete chaves, principalmente dos seus sujeitos, e tendo nascido uma pessoa altamente sensível, acabei hipertrofiando um lado, talvez por medo de acabar repetindo a história do outro, visivelmente mais sofrido. Ou, por simples questão de sobrevivência, escolhi o lado aparentemente mais poderoso. Por fim, criei um monstro – uma polaridade opressora e dominadora cuja força venho tentando reduzir e quem sabe um dia silenciar.

Essa polaridade OPRESSORA não admite os meus sentimentos, nenhum deles, na intensidade que têm dentro de mim desde sempre. Ela decreta que não cabe a tristeza, o medo, a incerteza, a dúvida, a preguiça, nem tampouco o otimismo, o desejo, a alegria, o prazer, a esperança, a leveza, a conexão com a terra e a natureza que me cerca.  Enfim, não cabe nada do que sempre houve em abundância no meu coração. Para o mundo exterior, nunca houve prejuízos. Sempre fui uma pessoa funcional, especialmente nos momentos de maior sofrimento da minha história, de desempenho reconhecido e comprovado. Desde os nove anos mergulhei de cabeça no Catolicismo, uma religião que casava perfeitamente com todo esse arcabouço descrito. E, embora em muitos momentos a minha religião tenha sido a única companheira no sofrimento, ela reforçou em mim alguns dos princípios mais cruéis dessa polaridade – culpa, vigilância permanente, controle e desprezo pelo momento presente, já que esse mundo serve apenas para expiação, além do eterno castigo iminente.

Foi por não suportar mais viver sob o jugo dessa polaridade que, em 2009, sem ter mais qualquer condição de aguentar o espinho no peito acumulado por anos dessa ditadura, que iniciei essa jornada descrita neste espaço virtual. Foram muitas as vitórias e descobertas desse caminho, as mais marcantes delas também registradas. E, em todas elas, havia um contraponto forte, concreto e próximo que me impulsionava adiante – meu marido. Muito antes de eu saber, ele reconheceu a minha essência e me amou por ela e pelo potencial que enxergou. Homem maduro e experiente quando nos conhecemos, escolheu ficar comigo sabendo exatamente o que fazia....

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