O cair da noite sempre me traz melancolia. Como se o
final do dia, a passagem da luz do sol para uma gradual escuridão, me
trouxessem sempre saudade e desproteção. A beleza do céu nessa transição
diária, especialmente na seca de Brasília, não amenizam um sentimento antigo de
pesar. É a diferença entre pegar a estrada de carro ao nascer do dia, que traz
uma enorme liberdade, e continuar nela à noite, quando a mesma situação se
investe de uma grande vulnerabilidade. No tarô, tudo o que é associado ao ciclo
do sol traz clareza, sentido inteligível e de alguma forma racional. A lua, por
seu lado, fala do inconsciente, daquilo que ainda habita o mundo dos sonhos e
que precisa tempo, quem sabe o tempo do descanso e do sono, para se tornar
compreensível para a mente. Fala também da diferença entre o campo da ação, no
sol, e o da espera e da entrega, na noite.
Em tempos de grandes transformações internas e
externas, esse momento talvez seja particularmente desafiador. Ninguém no
Brasil hoje está alheio ao contexto de instabilidade e incertezas no qual
vivemos. As expectativas para os últimos seis meses de 2016 são as mais
cautelosas e conservadoras possíveis. Para alguém que saiu de um ciclo longo de
expansão interna, de descoberta e reafirmação de prazer, liberdade e esperança,
como eu, ter que encarar uma transição profissional, em cima de outra pessoal,
inevitável, diante da morte do meu amor, neste contexto nacional adverso,
poderia parecer um castigo. Felizmente não acredito mais neles! Aleluia! E nem
o cair da noite com suas sombras e despedidas me fará retroceder nesse
entendimento. Mas o que fazer nessa hora de aperto, diante da noite que sempre
virá?!
Comparar é a pior coisa, tenho certeza. Afinal, o
presente de mudança constante sairá perdendo de um passado feliz no qual os
mistérios já foram desvendados e integrados. Tentar adivinhar o que virá no dia
seguinte ou contar que ele trará a solução para o problema de como conduzir as
escolhas profissionais e pessoais por serem feitas, num cenário construído a
nossa revelia, também não ajuda muito. Como tudo o que é processo, esse momento
exige um enorme centramento no AGORA e, ao mesmo tempo, um desapego que permita
FLUIR com os acontecimentos, as oportunidades que se abrem, as portas que se
fecham, as janelas que se entreabrem timidamente e a saudade constante de uma
voz, de uma mão, de um colo, de um companheiro particular, que não se encontra
em parte alguma e, ao mesmo tempo, está em todo lugar.
Em sonhos, passo noites procurando por ele. É como se
me evitasse e eu não conseguisse entender a razão desse comportamento. Pior.
Como se tivesse se desinteressado completamente de mim, dos meus problemas, das
minhas dores, do meu corpo... Nessas ocasiões, acordo com lágrimas escorrendo
dos olhos fechados. Durante a noite as coisas são assim, ambivalentes, pouco
claras, irracionais. Depois vem o dia e a luz vai clareando os sentidos dessas
perseguições sem resultado no sonho. Eu não posso trazê-lo de volta, não
importa o que eu faça. Mas também não posso deixar de tentar, tentar e tentar
novamente, até o dia em que puder verdadeiramente aceitar que se foi. Ele
jamais sumiria assim sem deixar rastro ou dar notícia, se estivesse em seu
poder evitar. Ter raiva dele e duvidar do nosso amor, em qualquer dimensão, simplesmente
me mataria. E eu preciso, quero e vou VIVER.
Então vou remontando o caminho até aqui para encontrar
pistas do próximo ponto a conectar nessa teia. E, em algumas horas, no
entardecer principalmente, uma Marina muito antiga, rígida e autoritária, me
olha com desdém e diz: “eu avisei que só podia dar nisso. Faltou vigilância,
planejamento, disciplina, e principalmente ficar alerta para tudo de ruim que
pode acontecer e sempre acontece na vida!”. Felizmente hoje ela é apenas uma
voz, entre outras, e perdeu a capacidade de gritar comigo como se fosse uma
adulta e eu, uma criança indefesa.
E ouvindo os barulhos da noite, em torno da minha
casa, sinto também uma grande alegria por ter a oportunidade de escolher
CONSCIENTEMENTE por onde quero e principalmente por onde não quero andar, daqui
para frente. Cada um de nós é o que é. E talvez, antes de aceitar a morte,
precise simplesmente aceitar que não nasci para andar num caminho reto e bem
sinalizado de país desenvolvido. Não combina com a minha natureza. Gosto de
desafio, sou neta de pioneiros, desbravadores do sertão. Então prefiro repetir
o mantra do professor Hermógenes: “eu entrego, eu confio, eu aceito, eu
agradeço” e esperar a luz do sol, sem medo de me entregar ao mundo dos sonhos
inconscientes, nem de perambular por partes de mim que permanecem obscuras e
pouco compreensíveis. Afinal, para cada entardecer há um amanhecer e os dois
movimentos de luz e de sombras se completam e integram num ciclo infinito, o
qual não podemos temer, nem muito menos controlar.
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