terça-feira, 26 de julho de 2016

ENTARDECER


O cair da noite sempre me traz melancolia. Como se o final do dia, a passagem da luz do sol para uma gradual escuridão, me trouxessem sempre saudade e desproteção. A beleza do céu nessa transição diária, especialmente na seca de Brasília, não amenizam um sentimento antigo de pesar. É a diferença entre pegar a estrada de carro ao nascer do dia, que traz uma enorme liberdade, e continuar nela à noite, quando a mesma situação se investe de uma grande vulnerabilidade. No tarô, tudo o que é associado ao ciclo do sol traz clareza, sentido inteligível e de alguma forma racional. A lua, por seu lado, fala do inconsciente, daquilo que ainda habita o mundo dos sonhos e que precisa tempo, quem sabe o tempo do descanso e do sono, para se tornar compreensível para a mente. Fala também da diferença entre o campo da ação, no sol, e o da espera e da entrega, na noite.

Em tempos de grandes transformações internas e externas, esse momento talvez seja particularmente desafiador. Ninguém no Brasil hoje está alheio ao contexto de instabilidade e incertezas no qual vivemos. As expectativas para os últimos seis meses de 2016 são as mais cautelosas e conservadoras possíveis. Para alguém que saiu de um ciclo longo de expansão interna, de descoberta e reafirmação de prazer, liberdade e esperança, como eu, ter que encarar uma transição profissional, em cima de outra pessoal, inevitável, diante da morte do meu amor, neste contexto nacional adverso, poderia parecer um castigo. Felizmente não acredito mais neles! Aleluia! E nem o cair da noite com suas sombras e despedidas me fará retroceder nesse entendimento. Mas o que fazer nessa hora de aperto, diante da noite que sempre virá?!

Comparar é a pior coisa, tenho certeza. Afinal, o presente de mudança constante sairá perdendo de um passado feliz no qual os mistérios já foram desvendados e integrados. Tentar adivinhar o que virá no dia seguinte ou contar que ele trará a solução para o problema de como conduzir as escolhas profissionais e pessoais por serem feitas, num cenário construído a nossa revelia, também não ajuda muito. Como tudo o que é processo, esse momento exige um enorme centramento no AGORA e, ao mesmo tempo, um desapego que permita FLUIR com os acontecimentos, as oportunidades que se abrem, as portas que se fecham, as janelas que se entreabrem timidamente e a saudade constante de uma voz, de uma mão, de um colo, de um companheiro particular, que não se encontra em parte alguma e, ao mesmo tempo, está em todo lugar.

Em sonhos, passo noites procurando por ele. É como se me evitasse e eu não conseguisse entender a razão desse comportamento. Pior. Como se tivesse se desinteressado completamente de mim, dos meus problemas, das minhas dores, do meu corpo... Nessas ocasiões, acordo com lágrimas escorrendo dos olhos fechados. Durante a noite as coisas são assim, ambivalentes, pouco claras, irracionais. Depois vem o dia e a luz vai clareando os sentidos dessas perseguições sem resultado no sonho. Eu não posso trazê-lo de volta, não importa o que eu faça. Mas também não posso deixar de tentar, tentar e tentar novamente, até o dia em que puder verdadeiramente aceitar que se foi. Ele jamais sumiria assim sem deixar rastro ou dar notícia, se estivesse em seu poder evitar. Ter raiva dele e duvidar do nosso amor, em qualquer dimensão, simplesmente me mataria. E eu preciso, quero e vou VIVER.

Então vou remontando o caminho até aqui para encontrar pistas do próximo ponto a conectar nessa teia. E, em algumas horas, no entardecer principalmente, uma Marina muito antiga, rígida e autoritária, me olha com desdém e diz: “eu avisei que só podia dar nisso. Faltou vigilância, planejamento, disciplina, e principalmente ficar alerta para tudo de ruim que pode acontecer e sempre acontece na vida!”. Felizmente hoje ela é apenas uma voz, entre outras, e perdeu a capacidade de gritar comigo como se fosse uma adulta e eu, uma criança indefesa.

E ouvindo os barulhos da noite, em torno da minha casa, sinto também uma grande alegria por ter a oportunidade de escolher CONSCIENTEMENTE por onde quero e principalmente por onde não quero andar, daqui para frente. Cada um de nós é o que é. E talvez, antes de aceitar a morte, precise simplesmente aceitar que não nasci para andar num caminho reto e bem sinalizado de país desenvolvido. Não combina com a minha natureza. Gosto de desafio, sou neta de pioneiros, desbravadores do sertão. Então prefiro repetir o mantra do professor Hermógenes: “eu entrego, eu confio, eu aceito, eu agradeço” e esperar a luz do sol, sem medo de me entregar ao mundo dos sonhos inconscientes, nem de perambular por partes de mim que permanecem obscuras e pouco compreensíveis. Afinal, para cada entardecer há um amanhecer e os dois movimentos de luz e de sombras se completam e integram num ciclo infinito, o qual não podemos temer, nem muito menos controlar.


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