Maracanã lotado em dia de jogo do Brasil! Sombras das chuteiras imortais... Nelson Rodrigues, penso, olhando em volta. Estou na fila para comprar água, no nível 1 do Maracanã, dia 17 de agosto, semifinal olímpica, Brasil e Honduras. Começa a confusão. Uma mulher, aos berros, manda um homem sair, ele carrega um bebê de colo no sling e, nervoso, parte para cima de outra mulher, na fila, todos vaiam forte o covarde, que se afasta. Segue uma discussão que toma conta de todos os que esperam, pelo menos há trinta minutos, para comprar ficha para as bebidas.
O episódio que
originou tudo foi simples e clássico. A mulher estava cansada e estressada,
depois do metrô lotado feito sardinha para chegar ao estádio, por onde aliás
todos os que estavam na mesma fila vieram, e não queria ficar em pé como os
demais. Sentiu que tinha direito a um atendimento preferencial e chamou o
marido com a criança no colo para justificar a preferência. Mas não colou e
quem estava prestes a chegar ao caixa reagiu. Ela se descontrolou, gritou com o
marido para tirar a criança do local. Ele, por sua vez, ficou nervoso e partiu
covardemente para cima da mulher que não reconheceu a preferência do casal.
Chamaram a polícia, a mãe do bebê chorou e fez um longo discurso... Os
policiais botaram pano quente.
Logo, outro sujeito
que estava ali com um “filho especial” desabafou: “Eu tenho um filho assim e
nunca entro em fila preferencial! Tem gente que é demais! Quer privilégio para
tudo!” Outra pessoa atrás de mim arriscou: “Esse homem aí tá acostumado com
barraco. Por isso partiu para cima da outra, na fila. Tá na cara que a mulher é
uma descontrolada e a confusão rola solta em casa. Coitada da
criança!”....GOOOOOOOOL, do Brasil! Correria nos corredores, as caixas gritam e
esquecem da fila, ninguém se lembra mais da confusão.
Uma senhora chega
para reclamar, um homem alto com a camisa do Brasil que está em último na fila
põe a mão no ombro dela, olha em seus olhos. “O que a senhora quer?”,
pergunta. “Ser atendida!”, responde,
impaciente, porque parece óbvio. Ele sorri de lado e continua: “Não, minha
senhora! Eu perguntei o que a senhora REALMENTE quer!”, numa voz de pastor. Em
pleno Maracanã lotado, uma questão existencial profunda parece estar colocada.
Ela fica muda, se acalma, desiste do que veio procurar, seja lá o que for
certamente não vai conseguir naquela fila.
Filmo e gravo os
personagens, o lugar. Só consigo pensar no texto que vou escrever sobre esse
momento. Por que será que vejo o mundo assim, como uma crônica de Nelson
Rodrigues? As Olimpíadas do Rio me pegaram num momento muito particular.
Navegando no luto do meu amor, desempregada, quarentona, minha filha mais velha
começando a faculdade e eu no meio daquela multidão, querendo achar o que
realmente quero fazer da vida daqui para frente. E, a todo momento, percebo que
é escrever, fotografar, nem que seja só com o olhar, e pensar no sentido do que
me cerca, dos fatos, das pessoas que passam fora e dos sentimentos que provocam
dentro. Uma cronista da vida. Sempre fui assim... Mas ainda não consigo saber
exatamente o que fazer com isso. E a disponibilidade dos últimos tempos,
provocada por uma necessidade imperiosa de me reinventar completamente, só
aguçou essa percepção.
Será que toda
vocação tem que virar profissão? A gente bem que tenta fazer as duas coisas
caminharem juntas ou pelo menos próximas. Mas há talentos que não se prestam a
virar meio de vida, afinal o famigerado mercado escolhe as vocações que serão
recompensadas financeiramente. Muitas vezes opera destruindo as palavras e
sentidos que não servem para vender nada e podem até levar à redução do consumo...Imagina?!
Quando escolhi
minha profissão, pensava que o jornalismo me permitiria viver de escrever, como
confessei no primeiro texto deste blog. Mas o mercado de trabalho tão bruto e a
rotina de produção pesada me mostraram que seria bem mais complexo equacionar
essa dança entre vocação e profissão na minha vida. Faz dezenove anos que me
formei – e quase dois meses que não tenho emprego fixo, pela primeira vez em
todo esse tempo. E colocar isso no “papel” me dá uma sensação de prazer
indescritível de LIBERDADE e, ao mesmo tempo, uma angústia absurda de não ter
resposta!! Só milhares de perguntas...Minha filha mais velha me surpreende.
Assim são os filhos, sempre! Abriu mão da vaga conquistada com muito esforço em
uma universidade pública porque descobriu, trabalhando como voluntária nos
Jogos Olímpicos do Rio, o que quer de verdade. Admiro sua coragem e
determinação. Vai voltar para o cursinho e fazer o ENEM, no final do ano.
“Segue o seu coração!”, é tudo o que eu posso dizer para ela, e talvez muito mais
para mim, porque além disso, realmente não há mais.
Houve um tempo em
que acreditava que havia caminhos mais amenos e retos do que outros e muitas
vezes me torturei por nunca ter escolhido essas “vias expressas”, idealizadas
pela ilusão de que há existência sem dúvidas. Hoje, mais madura e consciente de
mim mesma e dos significados mais profundos da minha trajetória, só posso
repetir as palavras de Antonio Machado, na belíssima poesia Cantares: “Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar”.
GOSTOU?! #debaixodosipes
Em Brasília: à venda na Banca da Conceição, na superquadra 308 sul.
Livros por encomenda no Brasil: Martins Fontes
Livros e e-book disponíveis, para todo o mundo e também para o Brasil : Chiado Books
A gente não se dá conta de que o importante é apreciar a estrada, e não o destino.
ResponderExcluirComo nas palavras de Sidney Miller:
"No fim do mundo
Tem um tesouro
Quem for primeiro
Carrega o ouro
...
Pois é, pra quê?"
Mais um texto lindo, Marina.
Linda poesia! Obrigada! Beijos
Excluir