Comecei minha relação com o pandeiro há mais de quatro anos. Queria
uma atividade lúdica, de descompressão do dia de trabalho e um pouco de
diversão junto com outras amigas que também tinham vontade de se aventurar
pelos caminhos da percussão. O primeiro contato com o instrumento foi
desastroso. Achei pesado, doeu meu pulso esquerdo, não tinha a menor condição
de sustentar o pandeiro numa mão e ainda tocar com a outra. Resolvi começar pelo tantan, que apesar de
maior, parecia mais fácil, repousava sobre a perna, facilitando as coisas para
mim. Mas acabei encomendando um pandeiro pelo correio de um artesão do Rio, o
Zezinho.
Quando chegou o bendito e o peguei nas mãos, me surpreendi com a sua
leveza, em comparação ao que eu havia experimentado antes, e pensei: “acho que
dá para tentar!”. Mas não pensem que foi fácil como eu imaginei brincar de
batucada no meu telhado de grama. Tinha, primeiro, um conflito de estar tirando
o tempo livre com a minha família, que sempre é escasso para quem cumpre
jornada de 40 horas semanais de trabalho. Apesar de sempre dar jantar aos
meninos e fazer o dever de casa antes de começar, numa correria alucinada
geralmente, vez por outra batia aquela culpa famigerada que persegue as
mulheres nesse mundo. Depois, vinha o medo de não conseguir aprender,
acompanhado da constatação de que não sou um talento nato e nem tenho um ouvido
especialmente bom.
Tive a sorte de começar com o professor perfeito. Simples,
descontraído, desencanado, tranquilo ao ponto de às vezes parecer estar em outro
mundo, que sempre lembrava a frase de um peruano com quem teve aula, que virou
o bordão dos nossos anos de samba no telhado de grama: “A música brôta (assim
mesmo para imitar o sotaque original)!”. E não é que é verdade?!
Quando a gente perde o medo de errar e, principalmente, reduz o
esforço para acertar, as coisas parecem aflorar e a hora de entrar fica clara,
assim como a de brecar. Talvez tenha sido
isso o que me atraiu para a percussão, logo nos primeiros anos dessa
jornada recente de autoconhecimento, ouvindo o Marcos Suzano tocar com o Vitor
Ramil, no SESC, em São Paulo. Um momento de absoluto êxtase por ouvir a milonga
de “Estrela, Estrela”, que conhecia desde adolescente na voz da Gal Costa,
dançar com um ritmo que eu nunca havia
imaginado que poderia ter, sem perder a sua força e melancolia originais.
A percussão tem uma sutileza e uma complexidade enormes, disfarçadas
ou até quem sabe escondidas, em instrumentos simples, quase rudimentares na sua
aparência, quando comparados aos de corda e de sopro, por exemplo, ou a um
piano. Mas é o ritmo que vem dela que dá vida e sustenta a música, e quando a
gente pára para escutar só as suas batidas, e mais nada, nasce o famoso suingue
que faz eco com a pulsação do nosso próprio coração. Esse gingado que faz a
vida ter graça nas suas pequenas coisas e que nos ajuda a lidar com os
sentimentos mais diversos e que incluem tristeza, dor, impotência, solidão,
todos juntos e misturados, dançando continuamente ritmados.
Entre tantas coisas que descobri e aprendi com a música e, em
especial, com a percussão, a mais importante delas talvez seja perceber que o
menor esforço produz o melhor som. Assim é também com a nossa voz, quando
projetada no canto ou num mantra. Quanto menos força colocamos para puxar o ar
ou tocar o pandeiro, quanto mais minimalista o movimento e a respiração, maior
o volume, o alcance e a clareza do som
produzido.
Hoje, ao final da aula de yoga, ouvi uma definição belíssima dessa
prática milenar. Diz que é um caminho para atingir o inatingível e para colocar
atenção TOTAL no presente. Nesses dias, em que meu coração tem apertado com uma
saudade funda, que faz parte do cotidiano do meu luto, tão cheio de serenidade
e de dor, isso faz um sentido
inacreditável.
É como no choro, a saudade e a dor fluem e se esparramam pelas cordas
e sopros do conjunto, mas o ritmo da percussão garante que a música vai chegar
ao final. Aquela batida constante leva todos os instrumentos juntos, mesmo no
silêncio do breque, que realça o solo do violão, e os une para transformar
aquele conjunto de notas em música.
E quando se está presente o suficiente, numa roda de choro ou em
qualquer outro lugar, para escutar somente, e se esforçar o mínimo para
participar, o inatingível desaparece
porque vira AGORA, e podemos
simplesmente ser parte dele e mais NADA. E nisso, é possível repousar e se
libertar dos fantasmas do medo, da solidão e da angústia, e compreender com o
coração que nenhuma dor pode parar a música ou a vida, porque ela tem um ritmo
próprio, que segue e brota, das formas mais inesperadas possíveis. E continua a
batucada....
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