sábado, 19 de novembro de 2016

CHUVA



Você sai de casa para abastecer o carro com gasolina mais barata e acaba enguiçada, com a bateria arriada, antes de chegar à bomba. Planeja uma festinha na sexta-feira à noite e a greve de ônibus joga sua vida de pernas para o ar logo cedo. Constrói um puxadinho para proteger da chuva a parede lateral da casa, e acaba acordada na madrugada por uma goteira dentro do seu quarto, no pé da sua cama. Dorme tranquila, abraçada com seu marido, depois de dias maravilhosos na praia, achando que vai amanhecer ao lado dele e, no meio da madrugada, acorda para testemunhar sua morte de infarto fulminante. Dá para pensar que a vida é, na verdade, uma série de imprevistos, alguns deles bem mais sérios do que outros, mas todos imprevistos.

A questão é como lidar com isso, sem ficar completamente insegura e apavorada só pelo fato de estar viva? Afinal, para ser elegível a um imprevisto, basta respirar. No jardim perfumado descrito no último texto, formou-se uma chuva inesperada em cima da minha cabeça. E não adianta brigar com a água, isso eu aprendi em doze anos de convivência com um telhado de grama caprichoso, que eu amo de paixão, mas que a cada estação traz uma novidade, dependendo do ciclo da chuva, da sua intensidade e de variáveis que eu nem imagino. Já foi a goteira no pé da escada, entre os quartos dos meninos, no corredor, no banheiro do meu quarto, em cima do meu armário, na cabeceira da minha cama e, agora, no pé dela. E, na maior parte das vezes, o jeito foi esperar, observar bastante, e só então agir para tentar amenizar a situação. E lá vou eu de novo retomar a observação, graças a outro movimento misterioso no meu bendito telhado verde.

Mas tem uma parte de mim que quer sempre resolver tudo. É de uma impaciência e de um imediatismo absurdos diante do luto, da dor, do desemprego, da escolha profissional da filha, do que vou fazer de mim pelo resto da minha vida, de como se recomeça a ter interesse em alguém, de como se sabe se alguém tem interesse em mim ou não, de como um interesse vira algo concreto... Enfim, todas elas questões prementes, inescapáveis mesmo, mas não passíveis de serem resolvidas com a objetividade e a rapidez que esse lado de mim EXIGE. Estão mais para a chuva no meu telhado de grama do que para um problema matemático com uma resposta certa e todas as outras absolutamente erradas. Pior. São respostas que se revelam no tempo e podem mudar a qualquer momento, sem que a gente tenha qualquer controle sobre elas!!

Observar sem se desesperar, nem se paralisar, eis a outra parte da questão. Será que cada um de nós tem uma cota de imprevistos na vida? Adoraria pensar que sim, mas aí ficaria louca para descobrir qual é, e se já estou perto de ter concluído a minha (o que seria perfeito)!! Mas se eu não pudesse saber o tamanho dessa cota, daria exatamente no mesmo, então deixa para lá.

No tarô, que sempre gostei de jogar, apesar de morrer de medo dele, tem a carta do eremita – em alguns baralhos mitológicos, como o meu favorito, também atende por Cronos, senhor do tempo. É uma carta que fala de velhice, de solidão, de espera, de limitações, de compreensões que só vêm no silêncio. O eremita anda sozinho, maltrapilho, carregando um lampião numa das mãos, único ponto iluminado na carta, mas tem um rosto sereno, misteriosamente iluminado, quase como o sorriso do Buda.

Desde que me entendo por gente, essa carta me persegue, aparece para mim quase toda vez que jogo um tarô. E hoje talvez comece a atinar a razão desse encosto no meu caminho. Eu PRECISO aceitar os limites, o tempo da espera até saber como agir para corrigir a goteira, até conhecer a diferença entre o movimento que vale a pena e aquele que só desperdiça energia. E, principalmente, a sabedoria de não me deixar impressionar tão profundamente nem pela impotência trazida pelos imprevistos, nem com a potência que nos vem quando temos a sensação de estarmos conseguindo contorná-los. As duas coisas fazem parte da mesma moeda, a do amadurecimento sereno, aquele que traz a compreensão de que estamos sempre em trânsito até o dia em que acabe o nosso tempo e que não há absolutamente nenhum mal ou ameaça nisso.

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sexta-feira, 4 de novembro de 2016

JARDIM PERFUMADO



Uma frase de Carlos Drummond de Andrade anda passeando pelo ar, nos últimos dias: “A vida necessita de pausas”. E, numa dessas, me encontro a quatro meses completos. Uma espécie de licença sabática, bem merecida, diria sem falsa modéstia. Como uma andarilha vinda de uma longa caminhada em terras estrangeiras e nada luminosas, me sinto assim, repentinamente, morando num jardim perfumado, para pegar emprestada a expressão recebida por e-mail de um grande amigo português, há alguns dias. Esse leitor atento e perspicaz deste blog, um fato que muito me honra, aliás, sempre manda seus comentários periódicos e é uma alegria quando chegam à minha caixa de entrada...

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Data: 29/09/2018 (Sábado)
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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

terça-feira, 1 de novembro de 2016