Primeira produção de tricô da quarentena.
A crônica dos dias retirados do mundo pode ser tão intensa quanto a de tempos normais. Pelo menos no meu cantinho do mundo, desfilaram alguns acontecimentos curiosos. Começo pelo mundo animal. Morar na beira de um vale numa área de preservação ambiental, como diz meu arquiteto, um dos primeiros permacultores do Brasil, é lutar com a natureza pela ocupação efetiva do espaço diariamente. Em outras palavras, a ausência humana em qualquer parte da casa ou do terreno se denuncia pela presença mais acentuada (e nem sempre desejada) de algum outro ser vivo - planta, animal, inseto e por aí vai. O que faz sentido para a sustentabilidade da vida. Ninguém merece mais do que consegue usar de verdade. Primeiro sinal de presença humana reduzida nessa quarentena? Menos barulho e mais passarinhos, fato relatado antes, aliás, neste diário.
Depois vieram os quatis, cada vez mais próximos da minha varanda, devorando bananas e mamões em broto e me constrangendo durante minha prática de Ioga. Tive medo de fechar os olhos no relaxamento ou numa postura de equilíbrio e, ao abrir, dar de cara com um desses 15 quatis de todos os tamanhos, roçando meu nariz. Tentei mandá-los passar como se faz com cachorros, mas sendo bem mais selvagens, me olharam sem entender. O jeito foi sacar minha arma mais mortífera: o pandeiro! Toquei com força, largando a mão nas platinelas de zinco, bastante altas, e funcionou. O som ecoou no vale e eles logo fugiram antevendo algo terrível, anunciado por aquele barulho estranho.
Poucos dias depois, percebo uma gata preta, de olhos verdes, recém-nascida, aboletada entre as rodas do meu carro na garagem, miando sem parar. "Saudades dos meus cachorros encapetados!", pensei. No tempo em que ainda viviam por aqui, ajudavam bastante a manter distantes quatis sem cerimônia e gatos, os quais não estão entre meus animais favoritos, confesso. Mas eles fugiram para mata, há quase um ano, e nunca mais os encontrei. Então o jeito foi esperar para ver se a filhote ia embora. Final do dia e ela miando sem alívio, de fome, claro. Mas alimentá-la seria fatal pois sinalizaria uma eventual vontade de adotá-la, o que não estava nos meus planos de jeito algum. Mas o choro semelhante ao dos bebês me corta e divide o coração.
A sobrinha amante dos animais venceu nos grupos de família e me convenceu a dar atum para a danada. Minha filha mais velha executou a missão de abrir a lata e deixá-la entre os carros e esperar para ver se ela aparecia para comer. No dia seguinte, arrependimento! Ela fechou o cerco à casa, e com agilidade e nenhuma vergonha, estava quase ao mesmo tempo junto a todas as muitas portas, janelas, seteiras e até no telhado de grama da casa, querendo ficar e se insinuando para mim. Tranquei tudo e mantive minha posição. Mas, aqui dentro, me dei conta da minha ocupação da área cada vez mais questionada, enquanto o miado constante me enlouquecia. Toca a ligar para a polícia ambiental, entrar em grupos de whattsapp para doação de animais e torcer, teclando e postando freneticamente, por um final feliz.
Logo uma mensagem no privado: "é fêmea?!". E eu: "não faço a mais vaga ideia!", embora o jeito seguro com que foi ganhando território e se impondo na área me fizesse pensar que era. Mas como se sabe se um gato é macho ou fêmea? E, pior, como alguém que tem pavor desse animal faz para descobrir um segredo assim? Só a sobrinha na causa. Veio e confirmou que SIM era uma fêmea, como eu pensava. E a levou para o seu novo lar, em Taguatinga, onde tem a companhia de outras três gatinhas como ela. Quarentena também pode trazer finais felizes!
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