Dançando na quarentena com a filha.
Entre noites de sonhos intensos e dias indiferenciados, existo pela metade. Faz mais de uma semana que vejo, enquanto durmo, todos os dias, variações de uma mesma história. Meu falecido marido volta, depois de ter fingido a própria morte e me deixado por anos a fio, enquanto vivia aventuras de todo tipo. Não bastasse isso, está a cada sonho me traindo com uma mulher diferente, uma delas, uma integrante da geração millenium que, ao me ver, tem a coragem de criticar o meu decote como uma atitude machista da minha parte. Pode? Em algum momento, pelo menos consigo o direito a uma DR, mas com ele preso dentro de um televisor e eu debruçada do lado de fora, gritando como uma doida no meio da rua deserta. O sorriso pilantra, um dos mais bonitos e charmosos dele, tenho de admitir, sempre ali, perto e longe, me atordoando e atiçando uma raiva e impotência indescritíveis.
Isso fez com que acordasse, quase sempre, dominada por essa sensação vinda de um enredo impossível, mas tão real e repetido pelo meu inconsciente que deve trazer alguma mensagem a qual teimo em tentar decifrar. Nessa existência paralela, pela metade, joguei a toalha na cozinha. Não só porque sou péssima, mas porque ODEIO serviço de casa, todo ele, sem exceção, mas principalmente alimentar os outros. Até bolo de caixa de mercado sai errado na minha mão. Acredite. Tentei na semana que passou e foi desastroso. Não tinha ideia do quanto tenho aversão às tarefas domésticas, basicamente porque, como uma Patricinha do Lago Sul, nunca tinha sido obrigada a realizá-las diariamente como agora. Mas vamos tocando os três com lanches e uns quitutes aqui e ali mandados pela irmã e sobrinha, mãos de fada na cozinha e um ifood cá e outro acolá, que ninguém é de ferro. Pelo menos, ganhar peso na quarentena não tem sido uma questão. Numa das danças da última semana, mais concentrada nos quadris, acordei toda dolorida, quase sem poder pisar no chão e tive de dar um tempo na diversão que ilustra o post de hoje. Mais uma frustração dessa quarta semana de isolamento.
Fiz 45 anos em janeiro e devo confessar uma certa angústia com a aproximação daquele ponto de virada na trajetória de todo ser humano. Não é o declínio, ainda, mas aqueles metros finais antes do pico da montanha russa e depois, naturalmente, iniciar a descida. Claro que essa descendente pode ser lenta, controlada e prolongada ao máximo, tipo o achatamento da curva do vírus, no qual estamos todos trabalhando. Mas dá trabalho à beça e tem vários sacrifícios, como percebemos a essa altura. A questão que me pega hoje é o desperdício desse tempo coladinho no cume da subida de uma vida inteira. Como se o isolamento me roubasse um naco da existência particularmente valioso.
E o que será que o meu falecido marido tem a ver com tudo isso? Não saberia dizer e talvez não haja nenhum sentido objetivo e articulado nesses sonhos. Mas chutaria a existência de uma vontade de reencontrar, na vida real, um objeto de amor, correspondido, vejam bem. Algo que demorou muito a aflorar nesses mais de cinco anos em que estou viúva. Identificar novamente essa chama em mim e não poder agir sobre ela só torna esse tempo meio vivido mais revoltante e alongado para mim. Mas, diante das alternativas dadas por malucos de plantão, em seus planos mirabolantes para driblar o vírus que botou o mundo inteiro em xeque, respiro e penso que, antes uma pausa que um ponto final. E, assim, sigo riscando os dias do calendário desse 2020 que sinto não ter começado de fato.
Não desistA a curva não e cronológica beijos
ResponderExcluirDesistir, JAMAIS!
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