quarta-feira, 4 de maio de 2016

TESTEMUNHO



Desde pequena adoro cortar os cabelos. Mamãe contava que, quando tinha três, quatro anos, não podia passar na porta de um salão que pedia para entrar. Talvez por isso tenha tido sempre os cabelos bem curtos até completar uns nove anos, mais ou menos, quando comecei a espaçar um pouco as visitas ao cabeleireiro e aderir à moda do cabelo comprido. Quando sento em frente a todos aqueles espelhos no salão, gosto de me olhar nos olhos, observar os detalhes do rosto e do corpo que saltam à vista nessa hora e, principalmente, acompanhar a transformação que acontece entre a primeira e a última tesourada. Esse ritual sempre me renovou e, de alguma maneira, refletiu um processo interno constante de elaboração de diferentes acontecimentos da vida.

Mas, sábado passado, quando cortava meu cabelo pela terceira vez desde a morte do meu marido, me bateu uma sensação esquisita. Olhava meus cachos caindo no chão e parecia desconhecer a pessoa refletida no espelho, o coração apertado. Ao sair, passando em frente a uma vitrine com vestidos de noiva, da mesma loja onde comprei o meu, deixei as lágrimas caírem. “Ele não vai me ver com meu cabelo novo!!”, gritava uma voz lá dentro, completamente revoltada, como uma parte de mim tem estado permanentemente desde o início de 2016. Não tenho mais o espelho daqueles olhos amorosos para me ver...

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8 comentários:

  1. Mais uma vez, achei lindo. Somos, em parte, o conjunto de lembranças que os outros têm de nós. Entretanto, somos certamente mais do que isso. E perdemos a nós mesmos o tempo todo, com os que se vão e com o que se vai de nós. O desfio é perceber o que ganhamos.
    Obrigada por compartilhar textos tão especiais.
    beijos

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  2. Verdade, querida. E quando paramos de nos concentrar tanto no vazio, conseguimos encontrar muitos ganhos, sempre, mesmo em meio a grandes perdas. Obrigada pelo carinho e pelos comentários!

    Beijos

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  3. Marina...
    Beijo muito carinhoso.
    Hustana

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  4. Oi, Hustana!

    Saudades! Bom saber que você tem lido!

    Beijos

    Marina

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  5. Linda música, lindo texto é mais linda ficou você de cabelo curto. É o meu testemunho, de hoje, de vida.

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  6. Obrigada pelo testemunho! É muito bom ouvir. Essa música do Vitor Ramil tem história. Eu escutava com a Gal Costa quando pequena e depois que perdi minha mãe, nas noites de insônia ia ver a lua, da porta envidraçada da sala de jantar e cantava, sem saber quem era o autor. Muitos anos depois, com o meu amor, fui a um show do Sesc Pompéia do Ramil com o Marcos Suzano (baita percussionista) e no final ele disse: agora vou cantar a primeira música que compus aos 18 anos, lá na fronteira onde cresci...chorei muito!

    Beijos

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  7. Mais um lindo texto, mais uma emoção. De cabelos curtos ou curtíssimos, vc continua linda.

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