Foto: Marina Oliveira.
Uma das minhas lembranças
favoritas de infância são os meus vestidos de festa junina. Minha avó materna,
costureira, fazia os mais bonitos do mundo para mim. Teve um, rosa choque com
babados brancos, inesquecível. Dentro dele, de tranças e pintinhas na cara, me
sentia mais poderosa e bonita que a rainha da Inglaterra. Na dança da
quadrilha, então, parecia que meu peito ia explodir de tanto orgulho pela minha
performance e pela alegria sincera de participar daquela brincadeira.
Outras festas, como o Carnaval,
as baladinhas, os grandes eventos do tipo baile de formatura, festa de
casamento etc. nunca foram tão confortáveis para mim quanto o São João. Talvez
porque sentisse nelas uma exigência seja de porra louquice, de exuberância, ou
de beleza, maquiagem, cabelo, salto alto, etiqueta à mesa, entre outros, que
sempre me deixaram tensa demais para simplesmente curtir o momento. Mas, como
ouvi dia desses, a festa junina, além de muito brasileira, é altamente
DESPRETENSIOSA, uma inocência interiorana, levemente cômica. Mais do que isso,
lembra a vida no campo, a colheita do milho e agradece de alguma maneira à
natureza pela fartura na mesa. E, como tudo o que é DESPRETENSIOSO na vida, me
cai bem e me aconchega o coração!!
Casada com um homem altamente
festeiro durante anos, precisei superar meus próprios limites para poder
acompanhá-lo nos agitos ou realizá-los na nossa casa. Mas São João sempre foi
diferente – uma festa desejada pelos dois na mesma medida e intensidade. Na
fogueira, embaixo do céu estrelado e do friozinho gostoso das noites de junho,
nos encontrávamos na vontade de festar. Era a nossa tradicional “festa da
julina”, como costumava dizer o nosso magriça quando novinho.
Em 2015, não teve São João na
nossa casa. Não dava. Olhava o fogão, via as panelas de caldo no fogo e ele
rindo, comendo canela com canjica, achando graça de si mesmo pelo excesso, numa
jaqueta jeans velha e escura, com os punhos dobrados para fora, como era sua
marca fashion registrada, visual tradicional de todas as festas noturnas. Um
casaco quase andante de tão usado e do qual sinto uma saudade imensa. Mas
felizmente tenho duas irmãs nascidas em junho, a mais nova delas também muito
festeira e, em 2016, resolvi retomar, despretensiosamente, essa tradição.
Foi um arraial de aniversário
para minha irmã, com poucos convidados, não aquele monte de gente que costumava
ocupar todos os espaços da nossa casa sem sala e ir e vir ao longo da nossa
festa da julina. Também não teve fogueira porque, no final de 2014, a família
ganhou um novo membro, muito levadinho e amado aqui em casa, mas perigoso
demais para arriscar uma queimadura num minuto de descuido. Um anjinho que preencheu
com sua alegria e carisma um grande espaço de ausência na minha vida e dos meus
dois filhos, no ano que passou. Mas houve um lindo casamento na roça até então
inédito.
Minha prima, que vive em
Florianópolis, tia do anjinho levado, ficou noiva de um rapaz muito querido por
todos nós, inclusive por meu falecido marido. Um homem de coração bom, que é a
qualidade mais importante em qualquer parceiro no amor. E resolvemos aproveitar
a ocasião para surpreendê-los com um singelo e também DESPRETENSIOSO casamento
na roça, abençoando a escolha dos dois e dando boas-vindas ao novo integrante
do clã.
Fizemos flores de papel crepom
durante duas semanas, seguindo as receitas do maravilhoso You Tube, onde se aprende de um tudo neste mundo!! E aproveitamos
uma estrutura de madeira do quintal para montar o altar. Um grande amigo da
minha irmã, parte importante do nosso suporte emocional nos primeiros e
duríssimos dias de luto e agora nosso amadinho também, veio direto do Rio
Grande do Sul para nos ajudar com suas habilidades e ferramentas desenvolvidas
no melhor estilo Magayver (um herói do seriado Profissão Perigo, para quem não conhece)
e sua gargalhada fácil. E decorar a festa, pendurando as bandeiras, que
continuarão no quintal até desbotarem. Outra tradição desta casa, criada para
satisfazer o nosso magriça, que não gosta até hoje de tirar os enfeites.
No centro do terreiro está o
Jacarandá do Cerrado, onde penduramos o balão colorido de São João. Renascido
em nosso quintal, depois que limpamos o terreno sem usar máquinas – numa
tentativa de resgatar os restos de vegetação dormentes embaixo do capão
desmatado que era esse lote quando começamos a construção –, o Jacarandá do
Cerrado hoje é mais alto que a própria casa. Por ele, também passaram metros de
bandeirolas coloridas para ornar a festa. Foi uma linda noite, com lua,
estrelas, afeto e bastante frio.
São sementes DESPRETENSIOSAS de
recomeço – que não significam nem ruptura, nem fim e muito menos esquecimento,
só passagem para um novo ciclo, no qual as sementes do amor plantado trazem os
novos frutos, as novas uniões, os novos descendentes da família e os novos laços
de afeto. Mas a força ancestral da terra, que nos sustenta e um dia nos recolhe
para repousar eternamente, sustenta nosso caminhar e nos lembra que nascer,
amar, morrer e, sim, RECOMEÇAR são processos naturais. Simples, profundos e
DESPRETENSIOSOS como a vida e seus ciclos infindáveis de mudança e renovação.
GOSTOU?! #debaixodosipes
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Querida Marina,
ResponderExcluirA vida, essa nau à sorte dos ventos, é sempre surpreende. Nosso "casamento" aos pés do seu Jacarandá, colorido por bandeirinhas e com farta mesa, típica das festas destes dias, foi das mais agradáveis surpresas.
A delicadeza do gesto é, para mim, a tradução da generosidade e do carinho que sempre recebo, e que faz de todos vocês pessoas muito queridas. Um beijo!
Oi, Cleon!
ResponderExcluirQue bom que vocês gostaram. Essa foi nossa intenção, abraçá-los agora como um casal que decidiu começar um novo ciclo de vida juntos.
Beijos
Marina
Lindo texto, que me inspirou a encontrar outro:
ResponderExcluirFLORES MORTAS CHEIAS DE VIDA
As flores de jacarandá,
como que desmaiadas na calçada,
atapetando-a e indefesas,
sustentando apenas a própria leveza,
deixam-se levar ao sabor do vento,
para exalar seus perfumes,
pintando de suaves cores,
caminhos por onde,
olhares sutis desfilam
e inebriados todos os sentidos,
extasiam-se pela beleza,
das já mortas flores,
que ainda assim insistem,
em dar vida às nossas emoções.
por Celêdian Assis
http://sutilezasdaalmaemente.blogspot.com.br/2011/10/flores-mortas-cheias-de-vida-poemeto-1.html
Que linda poesia, querida! Como o Jacarandá e a vida! Beijos
ResponderExcluirLindo, Marina. Aprender a viver é aprender a se recriar a todo tempo e sem medo. Bjs, Carla
ResponderExcluirQue honra ter sua leitura, querida! E que bom que a gente tá vivo para ter o privilégio de se recriar...Beijos
ResponderExcluirAdorei o texto! Bjo
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue lindo texto Marina! É muito bom ver você recuperar a alegria dos momentos que te encantam. De forma suave e despretenciosa, cercada de muito amor. Bjs
ResponderExcluirMais um lindo texto. Mais bonito ainda, pois traz, assim como o anterior, a alegria sempre presente em vc, desde o dia em que lhe conheci, a long time ago. Pena que a caxumba nos impediu de participar dessa festança.. Bjs
ResponderExcluirRecomeço é a palavra da semana! Um texto quase profético sobre as voltas que o mundo dá e nelas nos mostra a força do amor, e da história que construímos nesse mundo. Obrigada!
ResponderExcluirBeijos
Marina