sábado, 21 de março de 2020
DIÁRIO DE QUARENTENA - DIA 2
Estranho amanhecer na mesma cama, casa, lugar, na companhia das mesmas pessoas, e parecer esquisito. Sábado. Dia de ficar em casa mesmo. Mas a quantidade de coisas a aprender e rotinas a refazer entregam a anormalidade de hoje. As mensagens são frenéticas nos grupos de whattsapp, de notícia a meme e playlist, aos convites para participar de conferências nos mais diversos aplicativos. Hoje, no entanto, me chamou a atenção a maneira como tudo isso chegou para os meus filhotes.
O mais novo adora ficar em casa de pijama, dias a fio, sem sair, jogando online com os amigos, em tempos normais. Mas acordou com o "ombrinho caído" às 15h30, quando eu finalmente manejei minhas tarefas domésticas a ponto de conseguir botar comida da mesa. Afinal, estou bem no começo do meu treinamento, iniciado ontem, sob decreto do vírus. A irmã acordou antes e estava decifrando comigo, com a orientação da minha irmã do meio, ao telefone, como separar as roupas sujas e usar a máquina de lavar. Muitas dúvidas, mas ela felizmente estava muito segura e detalhista, como sempre, e respondeu todas elas tim-tim por tim-tim.
O meu pijaminha senta finalmente na mesa e olha para o nada, de cara amarrada. Mesmo com a chegada da adolescência há algum tempo e a "cara de bunda permanente", natural nessa fase da vida, como diz a irmã dele, farejei algo errado. Olhando fixamente para o prato de comida, confessou: "mãe, esse negócio da comida tá me matando". Magro como ele só, tem um paladar dos mais apurados desde pequeno, e a exigência com relação ao arroz com feijão faz com que só goste dessa mistura preparada por muito pouca gente, uma delas, minha querida assistente (felizmente) ou sua mãe, que veio antes dela, de quem falei ontem, que está em casa. Ciente da minha limitação no campo do arroz com feijão, fiquei quieta, pensando em como responder.
A irmã, desde cedo, entre irritada e cooperativa com as tarefas a realizar, seguiu comendo e não reagiu. O que também não me pareceu normal, pois os dois vivem se provocando e implicando mutuamente. Ela também fica muito alterada desde pequena quanto tem fome e acha nada do que goste para comer. E agora não tem jeito, porque só temos nós três para cozinhar e ponto. Aí me dei conta de como essa quarentena está ensinando algo fundamental sobre a vida para os meus filhos. Compensando, inclusive, um dos meus pontos fracos como mãe, confesso, Mais um! Sou muito protetora e mimadora. Um amigo aliás, em vias de se tornar pai pela primeira vez, fica impressionado demais com isso e me diz sempre: "você é muito mãe!", o que só pode significar exatamente o que acabei de dizer e é a mais pura verdade.
Mas ensinar aos filhos o sacrifício necessário em vários momentos da vida faz parte das lições fundamentais para torná-los capazes de enfrentar os desafios, maiores ou menores, e as FRUSTRAÇÕES, que fazem parte da vida de todo ser humano. E olha que ter que comer o que a mãe que não sabe cozinhar prepara só é sofrimento para filhos de uma Patricinha do Lago Sul, como eu, que fique MUUUITO claro! Mas, ainda assim, faz parte do aprendizado deles e meu também, nessa quarentena. Porque eu preciso aceitar que é assim, sem transformar isso em algo de outro mundo, que não é e nem nunca foi.
Então, disse apenas: "Tem que enfrentar o arroz com feijão da mamãe mesmo, para encarar a faxina no banheiro e a pia de louça, né?" e pisquei. Ele riu, daquele jeito só dele, com o olho bem miúdo e ainda assim soltando luz, vinda daquele sorriso iluminado como do pai dele. E eu soube, então, que estaremos bem. E, imediatamente, recebi a confirmação da mais velha que, ao ouvir minha resposta, me lançou um dos seus 1000 olhares, cada um com um significado bem específico e, no caso, com uma mensagem bem clara de apoio. "Verdade" seria o nome desse olhar, se os tivesse catalogado em algum lugar. Terminou o prato e declarou que ia tirar uma hora de folga para depois estender a roupa que está na escala de tarefas que fizemos e penduramos na geladeira ontem. Seguem os ensinamentos do vírus com nome de ducha por aqui.
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