Foto: Ana Flora Caminha
Amo conversar, mas tenho apreciado muito o silêncio cheio de sons dos últimos dias. Os passarinhos ao redor da minha casa estão fazendo uma rave, cantando como nunca, o dia inteiro. Como a natureza foi minha maior professora e confidente na minha quarentena pessoal, iniciada com a perda súbita do meu marido e amor, há pouco mais de cinco anos, estou sempre ligada no que ela tem a dizer. Sim, sou do tipo que converso com as plantas e acho que elas me respondem, sem palavras, pelo menos por enquanto (fiquem tranquilos)! Tendo acalmado meu pânico inicial de não dar conta da gestão das tarefas domésticas, pude sair um pouco da atividade insana dos últimos dias de colocar a casa em ordem para passar o inverno, para escutar um pouco mais.
Aí lembrei da minha viagem recente com meus filhos às Cataratas do Iguaçu, no início deste mês de março, e do quanto me impressionou o barulho das pessoas e uma certa insanidade com relação às fotos e selfies, diante de um dos cenários mais imponentes do mundo. Tinha estado ali em 2001, quando ainda se podia ir de bote embaixo da cachoeira principal, e fui tomada na época de profunda adoração, no sentido religioso mesmo da palavra, por aquelas águas em queda livre sobre as rochas. Sempre quis levar meus filhos até lá para que pudessem experimentar essa sensação do silêncio da PAZ interior diante do que é tão maior do que nós. Uma das experiências mais reais de plenitude em mim guardadas.
Mas havia tanta gente, barulhos de helicópteros sobrevoando com turistas em vista panorâmica das águas e flashes infinitos, num volume semelhante ao das Cataratas... que não deu para revisitar aquele lugar dentro de mim. Até porque o nível do rio Iguaçu estava muito baixo e o volume de água nas quedas não chegava a um terço do esperado para essa época do ano. Ainda assim, a natureza segue impressionante, mas os visitantes não se deixam ouvir sua voz porque, em muitos casos, nem prestam atenção, preocupados em reproduzirem a foto postada por não sei quem que bombou de likes no Instagram.
Mas o que tenho pensado, nesses dias de isolamento dos seres humanos, é que a natureza PRECISAVA demais desse respiro. Fomos longe demais em tanta coisa, sem nos darmos conta, por incapacidade ou medo de ouvir o que nos diz o silêncio dentro e fora de nós. Consumo demais, sem necessidade real, barulho demais, movimentação em excesso, foto então... O que será que faz de nós criaturas incapazes de simplesmente apreciar cada coisa no momento em que nos deparamos com ela? E de guardar isso, no coração apenas, onde toda a essência de uma vida se abriga, sempre, quer a gente entenda e aceite isso ou não.
E quando o vírus-ducha nos recolhe às nossas casas, e quem sabe também ao nosso lugar nesse planeta, a natureza toma conta e dá show: no canto dos passarinhos, no ninho ao lado da janela da casa da minha amiga querida, cuja foto ilustra esse post, nos canais de Veneza, no ar mais puro na China, em São Paulo e em todas as outras grandes cidades, finalmente livres da sua atividade insana!
A questão agora é: o que cada um e a sociedade vão fazer desse silêncio cheio de sons?! Os registros das janelas, disparados pelas redes sociais para manter o contato com o outro e mostrar o colapso do nosso modo de vida, mundo afora, vão servir só para reforçar o medo do porvir? Da doença ou da solidão, do resultado das nossas próprias escolhas (ou medo delas), gritando dentro de cada casa em quarentena, quando não se pode fugir de quem nos acompanha, nem do tipo de relação estabelecida com eles? "E depois?", me pergunto. E sei que a melhor resposta virá dos passarinhos e da conexão entre eles e a essência humana.
Querida, ao te ler lembrei-me do que Marininha me falou hj qdo, depois de cinco dias de reclusão, ela saiu um pouco de casa: "Mãe, parece incrível, mas a natureza vai agradecer ao vírus. Os carros sumiram das ruas. Não temos mais poluição".
ResponderExcluirAs crianças sabem tudo!! Beijos na minha xará.
ResponderExcluirTambém tenho visitado muito meu jardim.Por causa das lembranças, por causa do ar,que me parece mais puro,por causa do silêncio. É o lugar da minha que mais gosto é é mais meu.Mas está fazendo falta o barulho das minhas crianças,as adultas hoje e as crianças ainda crianças. Peço com urgência que me devolvam a minha vida,melhorada ,mas devolvam.Não só a minha,mas a de todos.Ok!Já entendemos que precisamos ser melhores.Eu vou tentar.
ResponderExcluirOi, Lili!! Que comentário lindo! Sua cara. Vamos esperar que seja o mais breve possível. Beijos
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