domingo, 19 de abril de 2020

DIÁRIO DE QUARENTENA - UM MÊS COMPLETO

Ensaios na quarentena com Bernardo Bernardes pelo Skype.

Isolar-se consigo mesmo traz reflexões e reações diferentes em cada um de nós. Conversando com uma amiga que tem ensaiado escrever sobre esse tempo e desistido várias vezes, por algum razão inexplicável, percebi, a partir da observação feita por ela, o quanto universalidade e particularidade se entrelaçam nesse período. A impotência com a pandemia e os complicadores que só os brasileiros precisam lidar de um cenário político bizarro são de todos nesses dias. Mas a variedade dos mergulhos de cada um, enquanto isso, é infinita e muito distinta. Depois de revelar sonhos por aqui, me permitirei ir um pouco além e deixar entrever outras viagens em curso aqui no meu barquinho de papel.

Em junho de 2016, fui demitida pela primeira vez na vida. Um baque a mais em cima do luto do meu falecido marido, que completava então 15 meses apenas. Formada em jornalismo, exerci praticamente todas as funções tradicionais da profissão: repórter, editora e assessora de imprensa, para citar as principais, mas, doze anos antes, havia tomado um "desvio" desejado, e facilitado pelo "destino" de alguma forma, e me tornado gestora de projetos no governo na área de Direitos Humanos. Dali, pulei para organismos internacionais, onde enveredei pela coordenação de pesquisa em temas diversos e segui em navegações novamente no governo sobre assuntos variados, desde formação e qualificação profissional até inovação, nanotecnologia, setor aeroespacial, engenharia e muito mais.

Aprendi essa nova área como quase tudo na vida: metendo a cara, sem vergonha mesmo, e prestando muita atenção nas coisas, tentando estabelecer um sentido lógico (nem sempre possível) às informações e mobilizando minhas habilidades coringa de comunicação, alguma criatividade e muito senso prático para realizar as tarefas recebidas dentro do prazo. Mas, ao ser devolvida ao mar dos desempregados, cada vez maior desde aquele algo distante 2016, não tinha certificação dessa nova "profissão" e não queria e nem tinha como voltar à trajetória interrompida em 2004 como jornalista tradicional.

Engraçado como, só agora, em isolamento, quase quatro anos depois, e cumprindo aviso prévio novamente, em outro emprego no qual estive pelos dois últimos anos e onde tive a oportunidade de estabilizar novamente minha vida, percebo a reinvenção pela qual passei. Em algum lugar de mim, havia um poço de não-talentos pelos quais tinha imensa atração e igual aversão, no sentido de medo: dar certo, dar errado, empatar, não dar em nada, me destruir. Sei lá. Compunham aqueles desejos ardentes mais duramente criticados e, por isso mesmo, incendiários, que guardamos num dos muitos baús do inconsciente, que se tornam conscientes aqui e ali, quase por encanto. E quem não tem nada a perder, como eu sentia finalmente não ter em 2016, resolvi me entregar aos meus fantasmas de dor, e de prazer também, por que não? Obviamente não sem MUITO medo e idas e vindas com relação ao acerto da decisão, muitos recuos, alguns avanços a passos suados. E, assim, me matriculei na Escola de Choro Raphael Rabelo como aluna de pandeiro.

E, nas batidas com som de bacia do meu pandeiro, que incomodava, desde a sua chegada pelo correio em 2013, ouvidos mais sensíveis que os meus, descobri talentos e aprendi a usá-los com uma facilidade e resultados surpreendentes para mim mesma. Eles me levaram a redescobrir minha vocação original para a comunicação social - sim, essa área maltratada no mercado de trabalho, assolada por uma crise estrutural absurda, mas tão essencial ao ser humano e tão minha desde sempre. E, nesse caldo, emergiu uma verve empreendedora e artística (SIM!!), que libertou minha voz de escritora com a publicação do meu primeiro livro de crônicas, contos, mais um romance, a produção cultural de um projeto musical e, mais recentemente, a união de tudo o que mais agrada meu coração atualmente - história, música, palavra, som e afeto entrelaçados no meu primeiro livro infantil "A Lua Curiosa e o Planalto Central", em fase de produção como audiolivro. O post de hoje são flashes dos ensaios da locução realizados toda segunda-feira, pelo skype, com meu amigo Bernardo Bernardes. E olha que descobri ter muito jeito para a coisa, modéstia à parte.

E o pandeiro, que sempre foi um dos maiores desafios de aprendizado da minha vida, finalmente parece ter se ajeitado na minha mão!! Acreditam? Justo quando entrei em ensino à distância e achei que iria naufragar, veio uma autonomia no instrumento até então suada e intermitente, que talvez fosse muito mais fruto de uma insegurança e uma eterna briga interna minha com meu amor por esse instrumento tão simples e difícil do que qualquer outra coisa. Revelações que só isolar-se consigo mesma trazem.

Um comentário: