terça-feira, 31 de março de 2020

DIÁRIO DE QUARENTENA - DIAS 11 E 12

Distopia ou utopia? Fico pensando qual seria a proposta do vírus-ducha para a humanidade hoje. Como alguém pode confundir antônimos, você me pergunta. Não pode mesmo. Trata-se da nossa encruzilhada atual, da qual participo. O nosso modo de vida está em xeque, independente de como cada um de nós enfrente o isolamento e todas as suas consequências. Iguais como humanos sim, mas tão desiguais como cidadãos. E isso escancara nossos piores pecados como sociedade global, como economia, como cultura, como seres teoricamente éticos.

Viver sem opção de sair, como os encarcerados e hoje os isolados, traz grande opressão e privações de toda ordem à subjetividade. Mas saber que se conta com um leito de UTI em hospital privado, ou um salário garantido no final do mês para pagar as contas, muda a radicalidade dessa distopia atual. Como tenho na minha imaginação uma grande amiga e companheira de jornada, sobretudo nos piores momentos, e a esperança arraigada em meu coração, prefiro pensar em tudo isso como um convite à construção da utopia, enfim! Uma que se molde exclusivamente pela experiência concreta do bem-estar do humano e não por uma ideologia ou teoria qualquer, num movimento contrário a "utopias" anteriores, sem nos preocuparmos nem por um segundo qual será o ornitorrinco teórico-ideológico nascido a partir dessa empreitada.

Nesta utopia, para a qual escuto o vírus - tão fofinho em sua aparência, e tão nefasto em seus efeitos (como muita gente por aí) - nos chamando, há algumas opções bem interessantes, a meu ver. Primeiro com relação ao consumo. Deu. Pessoas não são objetos e está na hora de ter só o realmente necessário para viver com dignidade, e com a possibilidade de sonhos individuais. Isso não alimenta o crescimento econômico baseado na produção cada vez mais intensa para abastecimento de uma demanda cada vez mais desconectada do uso real dos produtos? Paciência. Para quem sente arrepios de pensar nisso que proponho como utopia, pense na distopia permanente de ter sua vida controlada pelo resto dos seus dias pelo vírus da vez,  fugindo da devastação do planeta, e ditando se você pode ou não sair de casa, encontrar seus amigos ou abraçar seus pais e avós.

Segundo: um mundo onde o valor de todo trabalho está no que ele proporciona aos seres humanos e não na riqueza monetária que gera. Então, empregadas domésticas, músicos, cientistas, economistas, artistas de todo tipo, jardineiros, médicos, todo mundo tem um valor ENORME, cada um no seu quadrado de saber, nenhum deles mais ou menos importante, todos necessários ao pleno bem-estar da humanidade. Tem vontade de chamar essa proposta do corona de distopia? Então, pensa num mundo onde pessoas sem água potável, sem saneamento básico, sem esgoto e sem comida saiam pelas ruas desesperadas, em busca de alívio e encontrem nada. Muitos morrerão nessa empreitada, claro. Mas não todos. E os sobreviventes dessa horda da distopia de hoje vão invadir a sua utopia de ontem e te mostrar que não existe possibilidade do mundo antes do corona sobreviver intacto. Neste dia 12 de quarentena, proponho um brinde à nova utopia trazida pelo vírus-ducha a quem tenha coragem de construí-la!

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